Thursday, November 17, 2005

Na fila

Esperava na fila, sabendo desde já que a sua vida se resumia a um número … a probabilidade de sobreviver ao tratamento para a doença fatal de que padecia.
Tudo começara quando aceitara, como tantos outros milhões, que lhe fosse implantado um chip ligado directamente ao cérebro. As vantagens eram muitas, deixava de precisar de telefones, de cartões de identificação etc, e tinha-lhes sido garantido que era completamente seguro.

Passaram-se alguns anos até o Dr. Brasmlava ter estabelecido a correlação entre um novo sindroma de debilidade e a existência do chip implantado no cérebro dos pacientes. Daí até à descoberta do método de tratamento passou tanto tempo como o que foi necessário para se descobrir que a radiação podia ser utilizada na cura do cancro do ser humano.
O tratamento para o sindroma de Brasmlava era baseado na indução da frequência de ressonância das células afectadas até estas serem desintegradas, mas isso infelizmente acarretava muitos riscos.
Na fila esperava para saber se pertencia aos 33% (os rejeitadores) que reagiam ao tratamento, com a desintegração gradual das células do corpo, ou se ao contrário pertencia aos 67% (os aceitadores) de felizardos que viam a sua doença curada.
À sua frente devia estar uma das mais belas mulheres que tinha visto até à data, e pensou, como seria injusto que aquela deusa fosse uma rejeitadora, e como sabia que podia ser a última vez que falava com alguém, decidiu dizer-lho. Ela reagiu com um sorriso e cedo notou que havia uma empatia entre os dois, afinal a tensão de saber que a sua vida ou morte podia acontecer nos momentos seguintes, tornava as pessoas piamente simpáticas, mas naquele caso notou que era um pouco mais do que isso, havia atracção.
Combinou então antes de ela entrar na câmara de excitação, que após o tratamento iriam sair e passear para se conhecerem melhor. Ela ao entrar na câmara de olhos vendados virou-se para trás e sorriu.
A seguir vendaram-lhe os olhos e conduziram-no a ele para dentro da câmara … teve ainda tempo para perguntar se a paciente anterior era aceitadora ou rejeitadora, e a resposta deixou-o feliz e esperançoso no desfeche feliz daquele encontro.
Sentiu todo o seu corpo a estremecer, e rapidamente se conseguiu aperceber que tudo estava a terminar… na sala que dava para a câmara de excitação o homem vestido de branco puxou uma alavanca que fez um alçapão abrir-se, permitindo ao seu corpo que fosse mais uma vez para perto do dela… deitados, amontoados em cima uns dos outros, estavam todos os que tinham estado anteriormente na fila.
Lá em cima o homem de branco ria-se comentando com o colega,
- eles ainda acreditam que vão sair daqui curados, duma doença que não existe- , o outro ripostou dizendo – vale mais assim pá, se lhes disseses que iam ser eliminados porque estão defeituosos, iríamos ter mais problemas.

1 comment:

Very Unlucky Guy said...

Pobres andróides. Sempre convencidos que serão humanos - disse um dos técnicos.
E não serão? - respondeu o outro.
...
Pobres humanos, convencidos que têm arbítrio próprio - disse o Deus.
E não terão? - disse a Deusa.
....
etc...