Sunday, August 15, 2010

Um saco de pipocas


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Como sempre ia levar as miúdas à escola antes de ir trabalhar, só que hoje era um dia absolutamente crucial na sua vida profissional porque ia ser o mediador das negociações entre o director da empresa e o novo accionista maioritário.
Ia a pensar como conduzir o processo, mas as miúdas lá atrás não se calavam um segundo. Era já a terceira vez que tinha que quase gritar para se fazer ouvir.
- Meninas calem-se – disse mais uma vez – deixem o pai pensar…
A mais pequenita das miúdas começou então a cantarolar:
- Segunda-feira fui à feira, terça-feira fui feirar, encontrei um burro morto para o primeiro que falar.
Como que por magia, as outras duas miúda calaram-se e o resto da viagem foi um sossego. Pelo menos até chegarem ao destino. Quando perguntou à mais velhinha o que se tinha passado esta respondeu-lhe que quando se dizia aquela cantilena as outras pessoas não podiam falar porque senão ficavam com o burro morto. O homem sorriu e deu um beijo a cada uma delas e deixou-as saírem a correr para ir para as aulas.
No resto do caminho engendrou uma maneira de conduzir a reunião e preparou-se para o bem e para o mal.
Infelizmente apercebia-se agora, que a coisa tinha ido mais pelo lado do mal e estava com uma enorme dificuldade em fazer com que as duas partes interessadas se ouvissem, quanto mais que se entendessem. O Director falava já bem alto sem deixar lugar a argumentações por parte da outra parte, que também já bastante exaltado gritava com o director dizendo que agora era ele quem mandava porque era o sócio maioritário.
Em situação de desespero e sem saber como calar aqueles dois pelo menos durante uns segundos para que parassem e se ouvissem, começou a cantarolar bem alto
- Segunda-feira fui à feira, terça-feira fui feirar … - gaita, já não se lembrava do que vinha a seguir.
Para seu grande espanto o director terminou a frase dizendo – encontrei um burro morto- e em uníssono disseram os dois adversários – para o primeiro que falar.
O silêncio a partir desse instante foi total. Pôde finalmente ajudar os dois homens a ouvirem-se e a entenderem-se, e a reunião foi um sucesso.
De caminho para casa comprou um grande saco de pipocas para as filhas e quando as foi buscar à escola antes mesmo que elas começassem na berraria do costume ofereceu-lhes as pipocas o que as manteve caladas a viagem toda.

Saturday, July 03, 2010

A Necessidade é a mãe da Invenção!!!


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Valdemar era um tipo bestialmente infeliz. A sua relação com o seu patrão era a maior razão para essa infelicidade, mas não era a única. O patrão, de seu nome Toni Nunes, era conhecido pelos subalternos por “Ambulância” ( o que facilmente entenderão ao dizer o nome do dito em alto e bom som… pois é… parece mesmo o apito de uma sereia de ambulância ou de um carro de bombeiros) e era um homem temido pelo seu ar autoritário e diziam as senhoras uma presença intensa.
A última invenção do “Ambulância” para fazer parecer que na empresa eram todos grandes amigos, tinha sido a criação de um torneio de futebol com uma equipa de cada um dos departamentos.
Valdemar estava agora a braços com mais uma das cretinices do seu chefe, que o tinha incumbido de ser o organizador daquela farsa toda, além de ficar como treinador da equipa da direcção em que jogava o “Ambulância” e onde na realidade o próprio exercia o cargo de treinador, habituado que estava a mandar em tudo e todos.
Foi num intervalo de um dos jogos que o curso da história da vida de Valdemar se modificou. Quando se sentou na sanita da casa de banho dos balneários (local favorito para se esconder do “Ambulância”) Valdemar estava longe de imaginar que aquele era o instante fulcral da sua vida.
A enorme pressão que sentia na barriga, precisava já de ser aliviada e segundo o habitual ritual, ao mesmo tempo que soltava uma sonora rajada de gás dizia em surdina com satisfação – Este é para ti Ambulância.
Após ter satisfeito as suas necessidades, Valdemar começou a puxar a pequena tira de papel que se encontrava pendurada do contentor de papel higiénico. Para sua grande surpresa e maior irritação, verificou que apenas havia um único retalho de papel. Exclamou bem alto – Porra !!! Não há papel!!!
Bramando contra tudo e todos (mas sobretudo contra Toni Nunes que era sempre o culpado de tudo, na sua opinião) acabou por ter que se limpar, mal e porcamente, com apenas um retalho do papel higiénico. Este acontecimento fê-lo pensar que isto deveria acontecer muitas vezes a muita gente e era muito desagradável. Talvez, pensou ele, fosse possível utilizarem no final do rolo uma cor diferente no papel higiénico de modo a que qualquer utilizador soubesse que o rolo estava quase a acabar e assim pudesse de um modo prevenido procurar outra casa de banho onde ainda houvesse papel.
A ideia fermentou, várias semanas na mente de Valdemar que entretanto, farto de aturar o “Ambulância”, se despediu e em parceria com o ex-colega, e agora sócio Nando Tinto, abriu uma empresa de fabrico de papel higiénico.
A ideia foi rapidamente considerada como standard da indústria do papel higiénico e nem grandes marcas como a “Renova” puderam deixar de utilizar o que os técnicos chamavam de “degradé de Valdemar”. Desse instante em diante, Valdemar, agora conhecido como Engº Valdemar, tornou-se um homem de sucesso, inventor, e empresário do ano, deixando de ser o lambe-botas de Toni Nunes.
Ainda hoje em dia Valdemar pensa na sorte que teve em não haver papel naquela casa de banho e diz com um sorriso nos lábios a quem o quer ouvir que a necessidade é a mãe da invenção.

Saturday, May 15, 2010

Todos os Beijos menos um


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Relógio por favor pára de contar as horas
que a saudade que sinto em mim, já me devora


Parei de escrever, pousei a viola que tinha ao meu colo e olhando para o relógio, vi que já estava atrasado.
Com um resmungar bem sonoro saí de casa e fui ter com aquela que me inspirava a escrever e compor, que ia partir para uma estadia de uma semana no estrangeiro deixando-me assim só e desamparado.
No caminho ia tentando terminar mentalmente o pequeno verso para o poder escrever no verso do bilhete ou em qualquer sítio que ela ainda visse de modo a que ela não se esquecesse que eu ficava a pensar nela.
Quando cheguei ao pé dela, abracei-a fortemente e a seguir a um beijo prolongado disse-lhe
- Vou ter tantas saudades tuas
Ela respondeu-me com mais um beijo demorado e molhado e a seguir partiu.
Ainda comecei a recitar o pequeno poema inacabado, mas ela já não ouviu. Apenas um velhote que estava ali ao pé me ouviu gritar bem alto

Relógio por favor pára de contar as horas
que a saudade que sinto em mim, já me devora
queria matá-la e apaziguar esta dor
relógio, não contes as horas … por favor


O velhote sorriu e disse
- Isso é a maior idiotice que já ouvi, além de ser uma piroseira de primeira, mas isso já é outro problema.
Fiquei furioso e argumentei com o velhote que ele estava a ser muito mal-educado. Ele olhou-me muito sério e disse apenas:
- Nunca mates todas as saudades que tens. Quando o fizeres deixas de sentir saudades. E o que é a saudade senão a vontade de estar com alguém, se matares toda essa vontade ela deixa de existir.
- Eu cometi esse erro – continuou o homem – e olha para mim… só…abandonado… Pensa nisso. E da próxima vez que estiveres com ela dá graças ao tempo por nunca chegar para matar as saudades todas.
O velhote seguiu caminho e eu fiquei embasbacado a pensar na sua teoria.
Desde esse dia, quando tenho que me despedir, dou-lhe todos os beijos menos um, todos os abraços menos um e deixo sempre algumas saudades para matar da próxima vez.