Friday, October 31, 2008

Os homens não choram!!!



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Do topo do escadote olhou para baixo e viu-a. Enquanto trabalhava no osso do esqueleto de Brontossauro, limpando-o com o máximo cuidado, não pôde deixar de a contemplar a fazer também o seu trabalho. Sabia perfeitamente que ela era a "namorada" do director do museu, mas isso não importava, já os tinha visto juntos e nem uma só vez tinha visto uma demonstração de paixão entre eles. Não se beijavam, não andavam de mão dada, não se acariciavam, não se olhavam nos olhos, nem sequer falavam muito. Por isso achava que podia começar por a ter como amiga e o resto viria a seguir naturalmente.
Por isso, 3 dias depois (num dia de verdadeiro temporal), acabaram por ficar os dois até mais tarde a trabalhar e encontraram-se como que "presos" pelo temporal no museu de arqueologia.
Nesse dia ela estava um pouco cabisbaixa (qualquer coisa entre o triste e o cansada) e ele aproveitou para fazer o seu primeiro avanço. Cuidadosamente escolheu um papel e começou a escrever:

Se um dia precisares de alguém para te ouvir... chama-me!
eu prometo que estarei lá e fico quieto para te ouvir.

Se um dia te apetecer fugir de tudo...não hesites em chamar-me!
eu não prometo tentar impedir-te, mas prometo fugir contigo.

Se um dia te apetecer chorar... chama-me!
eu não prometo fazer-te rir, mas posso chorar contigo.

Mas se um dia me chamares e eu não responder...
por favor vem depressa... provavelmente preciso de ti.

Depois de escrever esta mensagem, dirigiu-se a ela e, com um sorriso na cara, estendeu-lhe o papel e disse:
- Toma... é para ti.
Ela recebeu o papel e com uma atitude de espanto começou a lê-lo.
A meio da leitura já a sua cara se tinha modificado para o que ele identificou como um sorriso. E quando finalmente acabou de ler, levantou a cabeça e disse-lhe a rir-se
- Primeiro... sabes que o Director do museu é o meu amante, por isso cuidado... podes ver-te subitamente sem emprego. Segundo eu não acredito na amizade entre um homem e uma mulher... O homem e a mulher foram feitos para outra coisa. E terceiro deixa-te destas mariquices pá!!! Os homens não choram!!!
Dito isto baixou novamente a cabeça e voltou a embrenhar-se no seu trabalho.
Ele por seu lado saíu porta fora para a rua deixando a chuva misturar-se com as lágrimas que lhe corriam pela face. Abençoou a chuva por lhe permitir chorar sem que alguém se pudesse aperceber e começou a caminhar afastando-se do museu.
Passou por uma mulher, que com dificuldade, convencia o seu filho a tapar a cabeça com o oleado para não apanhar chuva. O miúdo barafustava e chorava, rejeitando o oleado, argumentando que gostava muito de apanhar chuva.
Ele passou pelo miúdo, fez uma voz zangada e grave, e disse - vá rapaz, toca a fazer o que a tua mãe diz... olha que os homens não choram.
Hoje, sentado no sofá, pensa como tudo se tinha encaminhado na sua vida. Pensa na bela família que hoje tem e como tinha conhecido aquela que era agora a sua mulher e o filho dela que era, agora, dele também. Recuando no tempo, cerca de 5 anos, vê exactamente o quadro retratando a situação, que nessa feliz data tinha permitido conhecer aqueles que hoje eram a sua família e sente uma lágrima correr pela face. Fecha os olhos e mais 2 ou 3 saem sem que ele as consiga controlar.
O miúdo sentado na alcatifa a brincar com os "Legos" vendo as lágrimas na cara do pai, pergunta - afinal pai!!! os homens choram ... ou não??
Ele calmamente respondeu então...
- Só quando chove... filho, só quando chove...

Tuesday, October 28, 2008

A Promessa



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Beijou-a mais uma vez. Desta vez, como só ele sabia fazer... aspirou todo o ar que estava dentro dela para dentro de si... e depois dando-lhe uns segundos para recuperar o fôlego disse - Respiro o ar que tu respiras!!!
De seguida, levantou-se da cama deixando-a ainda enroladinha e estremunhada, saíu pela porta para mais um dia de trabalho. Quando ia no lance de escadas do 2º andar lembrou-se de algo e voltou atrás. Abriu a porta de casa, entrou e foi directo ao quarto onde ela ainda estava a dormitar... deitou-se novamente ao lado dela e disse-lhe sussurrando...
- Se hoje eu morresse, ias arranjar outra pessoa ?
Ela, ainda sonolenta, respondeu - Que parvoíce... donde veio essa conversa agora? ... vai mas é trabalhar. E, dando-lhe um beijo, saiu da cama para ir tomar banho.
Ele foi atrás dela e perguntou novamente - Arranjavas outro homem, outro marido para ti?
Ela, já farta daquela conversa, ripostou "não sei... depende...ao fim de muito tempo..." .
Depois, vendo a cara contristada dele, terminou a frase dizendo..."não... acho que não". Depois, já com uma atitude mais decidida, disse finalmente..."não ... não iria ter mais nenhum homem na minha vida... tu preenches-me". Dito isto, começou a tomar banho.
Ele saíu finalmente de casa, mas aquela conversa martelava a sua cabeça. Percorreu o caminho distraído, atravessou as estradas sem olhar, sempre a pensar na conversa.
Encontrava-se dividido. Se por um lado, a ideia da sua mulher ser eternamente só sua era agradável, sobretudo contrastando com a ideia de a ver agarrada a outro homem, por outro lado, pensava que, se a amava verdadeiramente, deveria desejar que ela fosse verdadeiramente feliz e se ele já não estava presente para a fazer feliz, então...
Mas esta ideia era repugnante... ela abraçada a outro homem, a beijá-lo... Tão atarefado estava nestes pensamentos que, mais uma vez, nem reparou no sinal vermelho que estava a passar e, infelizmente, a condutora do carro, desta feita, não foi capaz de evitar o embate que foi fatal. Ele sentiu apenas uma leveza muito grande, e de seguida começou a ouvir uma música muito relaxante até se sentir puxado para dentro do que parecia um autocarro.
Era estranho porque apesar de parecer um autocarro, não parecia ter limites, não parecia ter rodas, nem nada do que habitualmente existe num autocarro. Nem sequer condutor tinha. Tinha apenas mais passageiros e um homem de cara simpática que lhe indicava um lugar para se sentar.
Quando chegou... apercebeu-se finalmente do que tinha acontecido. Tinha morrido e este era o destino final. Após conversa prolongada com o homem do autocarro, apercebeu-se também que após um estágio naquelas paragens lhe era dado o direito de voltar (não numa forma terrena) e zelar por todos aqueles que lhe eram queridos. Podia prescindir desse direito, bastando para isso fazer um pedido ao homem do autocarro sobre quais as medidas que queria que ele tomasse e ele iria proceder de acordo com esse desejo. O homem deu-lhe então o equivalente a 10 minutos ali (que na terra correspondiam quase a uma eternidade) para escrever o seu pedido.
Ele pensou muito bem e escreveu:
1º - Ajuda todos os que me são queridos, a serem felizes.
2º - Não deixes acontecer nada de mal a nenhum deles.
3º - À minha mulher em especial fá-la feliz, fazendo no entanto que ela cumpra as suas promessas para comigo
4º - Dá-me só um último instante para os visitar a todos outra vez.

O homem do autocarro, achou a lista tão pequena (para o que era habitual ver-se naquelas paragens) que lhe disse que todos os seus desejos seriam realizados. Alertou-o, no entanto, que deveria lembrar-se que o tempo ali "corria" de uma maneira diferente e que, por isso, quando lá fosse, já teriam passado mais de 5 anos sobre o seu desaparecimento.
Ele preparou-se e fez a sua última visita aos seus entes queridos. Começou pelos pais que estavam bastante mais velhos, mas aparentemente felizes. Depois o homem do autocarro levou-o a visitar alguns amigos mais chegados e, um por um, foi verificando que estavam todos bem. Finalmente, levou-o a ver a sua esposa.
Quando entrou na casa que o homem lhe indicava, encontrou uma mulher que não parecia a sua, nem mesmo com mais cinco ou seis anos em cima... aliás parecia até mais nova. Olhou de soslaio para o homem do autocarro (que esperava pacientemente) como que a dizer-lhe que ali deveria haver um engano, uma vez que aquela nem sequer era a sua casa. Mas este acenou com a cabeça sugerido-lhe que esperasse um pouco.
Nessa mesma altura, viu então entrar a sua esposa pela porta. Estava ainda muito bonita e a visão que tinha dela, fê-lo lembrar-se de todos os bons momentos que tinham passado juntos... lembrou-se também dos lábios carnudos dela e desejou ardentemente beijá-los como só ele sabia fazer. Fechou os seus olhos e preparou-se para a beijar, apesar de saber que tudo isto era apenas fruto da sua imaginação, mas conseguiu de algum modo sentir o ar sair de dentro dela para dentro de si.
Abriu os olhos e ouviu sussurrar... "respiro o ar que respiras"...
Mas quando viu os lábios da sua mulher voltarem a colar-se aos lábios da outra rapariga mais nova beijando-a da forma como ele costumava fazer, saiu daquela casa enraivecido com tudo aquilo e foi pedir contas ao homem do autocarro que tão simplesmente lhe disse...
- Porque te exaltas ?... Fui ver as gravações da promessa que ela te fez, e o que ela prometeu era que não iria ter mais nenhum homem. Cumprem-se assim todos os teus pedidos e se reparares bem... olha como ela está feliz!!!

Na Rádio (parte 6)



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"A chave está no CD" ... era o que estava escrito na mensagem anónima. Latva já tinha desmanchado a caixa plástica onde o CD estava colocado para verificar se na face interior se encontrava alguma dica que pudesse identificar o locutor misterioso.
Tinha verificado se o CD tinha alguma coisa escrita quer na face de leitura quer na outra.
Já tinha ouvido os intervalos entre as faixas para verificar que não existia nada entre faixas não fosse o locutor ser um fã dos Beatles e ter montado um "plot" do mesmo tipo que eles tinham feito nalguns dos seus discos com mensagens que apareciam tocadas da frente para trás e outras trapalhadas do mesmo tipo.
Tinha inclusivé verificado se existia a faixa zero como já tinha visto algures num CD dos Xutos, mas nada...
Entretanto ia ouvindo o CD e pensando nos vários contos que ele continha e na banda sonora de cada um deles. Seria algum dos contos a chave para a identificação do autor dos CD's. Decidiu começar a escrever os vários textos no seu computador, mas como era muito lento a "teclar" cada conto levava uma eternidade a acabar.
A corrida contra o tempo continuava porque dái a alguns dias ia ter outra vez o mesmo problema. Tirando os breves instantes que levava a preparar o seu próprio programa de rádio Latva não fazia outra coisa senão passar os contos dos CD's para o papel. Já tinha 20 pequenas histórias transcritas para papel, às quais foi atribuindo um nome e também uma "nota" numa escala de 1 a 5 conforme era da sua preferência ou não.
Ao fim de 3 dias tinha terminado esta fase e estava pronto para analisar todos os contos e tentar descobrir alguma coisa. Mas ele próprio achava que a "chave" para todo aquele mistério teria que ser algo mais que só as palavras...

Wednesday, October 15, 2008

Clandestino



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Aquele puto tinha, desde muito cedo, revelado ser diferente. Tinha ideias e queria ser alguém, ter um futuro e não cair nas malhas do bairro.
Desde muito cedo Armando corria pelas ruas de Alfama, sem sequer perder muito tempo a mirar todas as actividades ilegais que ali se realizavam à luz do dia. Jogava à bola na rua, fazia corridas de caricas no passeio junto ao café do Sr. Azevedo e ao "guelas" no descampado ao pé da Rua da Judiaria. Aí é que tinha presenciado muitas cenas tristes que o faziam ter esta opinião tão forte quanto à ilegalidade.
Quando terminou o liceu, acabou como a grande maioria dos rapazes do bairro por se ver alistado na tropa e aí criou uma série de maus hábitos que o levaram de volta ao bairro e para uma vida clandestina de vendedor de substâncias ilícitas.
Mas apesar de tudo "Armandeínho", como o chamava a sua falecida mãe, tinha ainda ideias de mudar o rumo da sua vida e para isso muito contribuia a sua paixão pela guitarra, pelo fado e por Deolinda a fadista mais bonita das redondezas, que todas as 3ª e 5ª feiras ia cantar no barzinho do Zé Texugo.
E foi numa 3ª feira em que foi dormir a casa de Deolinda que a meio de uma "ginástica" mais atribulada, bateu com a cabeça na cabeceira da cama e perdeu os sentidos.
Ao fim de cerca de 2 minutos Deolinda tinha conseguido acordá-lo. Armandeínho acordou sobressaltado e com uma ideia latente (ou batente) na sua cabeça. Ia-se tornar no primeiro empresário de uma nova substância que prometia ser um sucesso.
Deolinda riu-se desalmadamente (até ficar rouca) com a ideia maluca de Armando, ele queria produzir uma mistela qualquer a partir do vinagre que tivesse as mesmas propriedades que o tão afamado Viagra e tinha já até o nome para esta nova substância de origem natural "Vinagra". Era brilhante ... dizia ele... e apesar do riso de Deolinda não abdicava desta ideia.
Foi para casa decidido a pôr esta ideia a funcionar. No dia seguinte ia à farmácia comprar uma caixinha de Viagra para começar a experimentar.
Às 9 horas já Armando estava à porta da Farmácia "Confiança" e com um ar comprometido, mas compenetrado, pediu uma caixa de Viagra para um amigo dele que estava com problemas... não era para ele claro... comentou com o Sr. Fernando da Farmácia que, caso suspeitasse de alguma falha da parte dele, iria logo comentar com toda a gente.
Chegado a casa pegou num comprimido e tomou-o, só para ver o efeito que deveria obter do seu "Vinagra". Nesse dia as revistas que tinha debaixo do colchão tiveram uma rodagem extraordinária e, após sentir que tinha passado o efeito começou então a experimentar misturar várias coisas.
Primeiro misturou um pouco da dose de coca que tinha para vender com vinagre que rápidamente dissolveu o pó, mas passados alguns segundos fez uma efervescência esquisita e criou um depósito branco no fundo do copo com vinagre. Armandeínho bebeu a mistela e esperou pelo efeito.
Passado pouco tempo começou a sentir um calor semelhante ao que tinha sentido com o comprimido de Viagra, só que não era no sítio correcto. Uma corrida rápida para a casa de banho e meia hora de diarreia a seguir já ele estava como novo. Mas do efeito esperado nada.
Desanimado, mas não vencido, lembrou-se das aulas de Fisico-Química em que a professora falava do pH dos ácidos e lembrou-se que o vinagre era um ácido... talvez fosse isso que estava a estragar o efeito. Tratou por isso de procurar nos rótulos de tudo o que tinha em casa para conseguir arranjar uma coisa básica que neutralizasse o ácido do vinagre. A única coisa que descobriu foi o spray para limpar os vidros, deu uma borrifadela e o pó branco redissolveu-se. Pensou então que era mesmo um génio e já tinha conseguido resolver o problema do ácido "arsénico" do vinagre.
Achou também por bem pegar numa série de especiarias e misturá-las para disfarçar o cheiro e sabor do vinagre e da coca. Estragão, manjericão, cominhos, açafrão e canela. Não tinha canela em pó, mas tinha para lá um pacotinho muito antigo que já só tinha escrito Pau de Ca|~^ a... as letras do meio já estavam completamente apagadas, mas pensava que deveria ser pau de canela, por isso despejou o saquinho para dentro do recipiente e esperou um pouco para ter a certeza que faziam efeito.
Ao fim de 2 horas, e porque já estava a ficar tarde para ir acompanhar a sua Deolinda à guitarra no bar do Zé Texugo, experimentou a mistela. Tinha um sabor asqueroso, mas não foram preciso mais de 5 minutos até sentir um grande calor na barriga, que foi descendo, descendo até... eeeeehhhhhhhh... "ganda" efeito... pensou Armando que teve até alguma dificuldade em conseguir dominar o seu amiguinho.
Nesse dia vestiu umas calças largas de modo a poder disfarçar qualquer proteburância que pudesse surgir e depois do espectáculo, mostrou (nos arrumos do bar do Zé Texugo) a Deolinda que afinal a sua ideia maluca resultava.
Levou-a para sua casa e mostrando o frasquinho onde tinha colocado o seu "Vinagra" provou-lhe, ainda mais 2 vezes durante essa noite, que o produto funcionava mesmo.
Desde esse dia tudo mudou na sua vida. Agora à porta do bar do Zé Texugo continua a poder ler-se Deolinda ao Vivo, mas além do anúncio ser agora feito com um neon enorme, tem acrescentado ainda, venha experimentar a bebida da casa o célebre "Vinagra".
Lá dentro Armandeínho, agora Sr. Armando, impecavelmente vestido, vai gerindo a venda da bebida que chegava a vender mais de 300 copos por noite. E nos pequenos intervalos que consegue fazer pensa como era bom ter conseguido fugir às malhas do bairro e ter conseguido um negócio não clandestino que lhe permite viver desafogadamente com a sua Deolinda.
As várias incursões da ASAE ao local para recolha de amostras da bebida foram infrutíferas, uma vez que Deolinda tinha convencido Armando a deixar de colocar cocaína e passar a usar farinha. Quanto ao efeito do "Vinagra", não se sabe bem se é real ou não, porque desde que, acabada a primeira dose e na preparação de mais, Armando tinha utilizado canela em pó o efeito parecia ter desaparecido. No entanto, os clientes do bar do Zé Texugo nunca deram por isso, fosse pela presença da Deolinda ou pelo toquezinho de spray para os vidros... a coisa funcionava.

Tuesday, October 14, 2008

Congelar ou não congelar... eis a questão !!!



Com mais um pequeno empurrão conseguiu finalmente deslocar o enorme bloco de gelo que tinha cortado ao longo dos últimos 3 dias.
Neste caso não se podia dizer que a equipa rejubilava, porque não se tratava de facto de um trabalho de equipa. Correspondia apenas ao esforço da unidade MG0102 que trabalhava há mais de 6 meses na zona do Alaska para recuperar aquela importante descoberta.
O achado era o corpo de um espécime que parecia corresponder a um homem, provavelmente surpreendido por uma avalanche. Deveria ter ficado congelado dentro de uma caverna agora descoberta por causa do progressivo degelo causado por esses mesmos homens décadas atrás. Estava num estado de conservação exemplar, não havia sinais de danos como habitualmente acontecia quando descobriam (os poucos que conseguiam descobrir) cadáveres dos seres anteriormente habitantes do planeta.
Mandou um relatório sumário para o chefe de expedição, que estava a cerca de 300Km do local, e começou a operação de descongelamento.
A resposta ao seu relatório não tardou e a unidade MA0905 (chefe da expedição) iniciou a viagem para o local onde tinha sido encontrado, aquele que agora era apelidado de "The Columbia Man" ou Homem de Columbia, uma vez que tinha sido descoberto junto ao glaciar Columbia.
A unidade MG0102 começou o processo de descongelamento recorrendo à aparelhagem mais sofisticada que permitia programar rampas de aquecimento, minimizando o dano causado pelo fenómeno de descongelação. Contudo, sabia-se que era inevitável uma degradação dos tecidos e células do corpo sobretudo ao nível do cérebro, devido à formação de cristais de gelo durante o arrefecimento, que causavam a ruptura da parede das células. No entanto, era um mal necessário, e na verdade, ainda não conheciam nenhum método melhor de conservação, excepto talvez a cristalização por injecção de soluções de metasilicato de boro-hidrofenilamina, mas que poderia, em certos seres vivos, resultar no apodrecimento gradual do espécime, caso estivessem presentes células tumorais com as quais o MBHF reagia.
A 1ª experiência de descongelação foi um sucesso. Um sucesso porque foi possível fazer a descongelação sem danos visiveis e um sucesso também porque pela primeira vez desde a extinção dos seres humanos, se conseguia "acordar" um deles e falar com ele.
É verdade... a unidade MG0102 não estava preparada para ver o corpo recentemente descongelado mexer-se e levantar o polegar da mão direita (sinal tão comum em tempos idos) para indicar que estava tudo bem.
Desse instante em diante o número de operações de descongelamento era um problema crucial. De cada vez, tinha que fazer medições de orgãos e membros do espécime (que apresentavam alguns desvios ao padrão anteriormente estabelecido para a raça), análises de sangue, etc. Aproveitava e ia estabelecendo diálogo com ele (que era devidamente gravado e arquivado) para tentar aprender algo mais sobre a época em que tinha vivido.
Era uma experiência recompensadora, porque o espécime era interessante e comunicava de um modo fluente sobre a vivência da sua espécie.
Com cada novo descongelamento a unidade MG0102 notava o aumento do comportamento errante na capacidade de expressão e raciocinio do Homem de Columbia.
Quando finalmente chegou ao local de encontro a unidade comandante da expedição, já o espécime não apresentava um diálogo coerente e eram notórias as faltas de capacidade de comunicação, que apenas eram superadas pelo código gestual que a unidade MG0102 tinha estabelecido com o Homem de Columbia para método de comunicação alternativo (uma vez que já esperavam que o cérebro do espécime ficasse severamente danificado após tantas operações de descongelamento ).
Assim que chegou ao local a unidade MA0905 ordenou que o espécime fosse retirado dali. Já estava a ficar sem interesse para a prossecução dos objectivos da missão e não queria que se perdesse mais tempo com este espécime uma vez que, a descoberta de mais uma série de espécimes noutro glaciar, faziam antever novas hipóteses de conseguir resultados semelhantes aos obtidos com o Homem de Columbia.
A unidade MG0102 ficou então com um dilema, deveria congelar o espécime uma última vez antes de o largar de novo no glaciar, ou deveria continuar a tentar estabelecer contacto com ele para aprender mais sobre o modo de vida dos seres humanos causando a sua degradação final.
Não demorou muito a decidir.
Ainda hoje em dia existem visitas guiadas ao glaciar Columbia onde pode ser visto um enorme bloco de gelo, onde se consegue vislumbrar uma silhueta de um Homem com feições tristes e com o polegar da mão direita levantado.
Numa tabuleta ao lado pode ler-se "Homem de Columbia" e em baixo, em letras mais pequenas "Nota: O polegar da mão direita do espécime está levantado num gesto rudimentar indicando, segundo costumes próprios da época, que se encontra bem".

Thursday, October 09, 2008

O homem a quem não davam corda!!!


João era um miúdo que, como qualquer outro miúdo gostava muito de brincar. Seus pais eram uns pais como outros quaisquer, queriam que ele estudasse para ser alguém na vida. Que se aplicasse, que se cultivasse e só no fim... que brincasse.
O avô de João não era um avô como outro qualquer. Esse sim era diferente, queria que João brincasse e brincasse enquanto fosse miúdo. Teria tempo para ser responsável... dizia ele. Nem sequer conseguia perceber muito bem como é que esta diferença não se fazia notar no comportamento do seu próprio filho (pai de João) que tinha sido um miúdo e jovem muito responsável quando ele a nada disso o obrigava.
Como estratégia para promover a sua filosofia de vida, o avô de João oferecia um brinquedo por cada má nota que ele tirasse na escola. Não era propriamente educativo, mas na verdade o avô de João estava-se completamente a borrifar para isso.
Por outro lado o pai de João oferecia-lhe um brinquedo cada vez que ele brilhava na escola. Isso colocava-o numa posição extremamente priveligiada que era a de receber sempre um brinquedo independentemente do que fizesse, fosse ele bom aluno ou não, o brinquedo aparecia.

Isso tornou João, além de um sortudo com uma quantidade de brinquedos descomunal, um rapaz que podia decidir verdadeiramente o que queria fazer. Se queria estudar ou se queria brincar era sua a decisão porque nenhuma das actividades era mais recompensada do que a outra.
Felizmente para os pais de João (e para o avô também porque concerteza ele não quereria que o seu neto não fosse instruído) o rapaz até optou na maioria dos casos por desempenhar bem a sua função de estudante. E foi num dia de aulas como os outros também, que ele se apercebeu de algo muito importante. Quando questionado pelo professor sobre qual ou quais as colecções que fazia, João não se lembrando de nada mais do que os seus preciosos brinquedos ripostou dizendo que coleccionava brinquedos. A risota entre os colegas foi geral, mas o professor que era um professor à boa velha moda saiu-se com uma resposta em defesa de João que acabou por marcar a vida toda do rapaz. Disse então para toda a classe:
- uma colecção de brinquedos é tão importante como outra qualquer porque através dela podemos fazer uma visita guiada aos tempos, muitos deles encerram o virar da página de uma época. Não tenham a menor dúvida meninos que os brinquedos com que eu brinquei, a vocês vos pareceriam ridiculamente rudimentares - e seguiu dando uma série de exemplos.
Mas João já nem estava a ouvi-los, na sua cabeça tinha agora a frase do professor ... uma visita guiada aos tempos... virar a página de uma época...
Hoje em dia o homem com cerca de 70 anos que se senta na cadeira de rodas à entrada do Museu do Brinquedo (vítima de um acidente cardiovascular alguns anos atrás)lembra-se e fala com paixão de todo e qualquer um dos brinquedos expostos no museu. Como os obteve, de que época eram ou como se deveria brincar com eles (sim!!! porque alguns deles é preciso saber brincar com eles).
É um brilhante contador de histórias que entretém qualquer pessoa. Põe todos os miúdos a rir contando por exemplo a brincadeira que tinha com o seu querido avô, que ao começo de cada dia o fazia tocar com os dedos num reóstato onde apanhava um choque eléctrico e todos os dias ia aumentando a corrente que passava pelo corpo do miúdo só para o preparar para uma vez que apanhasse um choque eléctrico a sério.
Ou de como iam à cozinha da mãe "roubar" o fermento e o vinagre para pôr nos pequeníssimos foguetões de plástico que depois com a libertação do dióxido de carbono acabavam por "levantar voo".
A todos responde com carinho, desde o miúdo que se lhe dirige dizendo "ganda maluco", até àquele que reparando na sua cadeira de rodas e impressionado pela vitalidade de João, lhe pergunta porque é que ele não anda. A resposta sai sempre rápida...
- olha... esqueceram-se de me dar corda.

(Este texto é inspirado na vida e obra de João Arbués Moreira detentor do espólio de brinquedos presente no Museu do Brinquedo em Sintra e que eu pessoalmente aconselho, miúdos, pais e avós a irem ver para poderem depois ter dezenas de recordações para partilhar entre si.)

P.S. - Não se esqueçam de levar um lenço, ou uns óculos escuros para poder esconder "aquela lágrima" ao canto do olho quando virem um brinquedo igualito ao que tiveram em criança.

Na Rádio (parte 5)

Estava de pés trocados em cima da mesa de mistura a curtir o CD que tinha acabado de descobrir e posto no ar.
A boa onda estava lá toda. Mas a escrita das pequenas histórias parecia mais diversificada do que antes, quase se diria que existiam textos escritos por diferentes pessoas... talvez 2 ou 3.
As músicas continuavam a fazer uma banda sonora perfeita para os contos que iam surgindo apresentados por aquela mesma voz que no 1º CD o tinha fascinado.
Havia textos com trocadilhos muito bem conseguidos, mas a sua atenção focou-se em especial num pequenissimo texto sobre bolas de sabão. A banda sonora escolhida era apropriada porque utilizava o som de bolhas de sabão a rebentar, estava muito bom.
A hora de programa pareceu passar em 10 minutos e Latva, no fim, repetiu o pedido de identificação para o autor do CD e alimentou toda aquela farsa construida à volta do personagem misterioso, como aliás lhe tinha sido recomendado que fizesse.
Quando saiu de estúdio foi até ao departamento de informática para verificar se tinha chegado algum mail que pudesse dar alguma dica sobre a identidade do locutor misterioso (como lhe chamavam agora na estação de rádio).
Existia apenas uma mensagem anónima muito estranha,tinha escrito apenas "A chave está no CD", por baixo podia ler-se em Maíusculas.. LATVA tu és o maior e tinha um "emoticon" com um enorme sorriso.
De saída para casa Latva retirou o CD de cima da mesa de mistura e decidiu nessa noite estudá-lo muito bem. Adormeceu no sofá a ouvir o CD (pelo menos pela quarta vez). Acordou estremunhado pensando ainda nos acontecimentos da noite anterior. Definitivamente o mistério à volta destes CD's adensava-se e para bem da sua sanidade mental era essencial descobrir quem estava a fazer aquelas pequenas maravilhas.

Wednesday, October 08, 2008

Chocolate ou Canela

Era o 3º encontro de Jim com a sua amada Sandy. Achava-a perfeita, pelo menos até agora. Já tinha verificado que tinham muitos assuntos em comum para falar (no 1º encontro) e já tinha visto que a postura de Sandy face à vida era muito semelhante à dele (no 2º encontro) com um desejo enorme de constituir família.
Agora era chegada a altura de verificar como se dariam de um ponto de vista mais físico… ou sexual… por assim dizer.


Sabia que Sandy já tinha sido casada e que se tinha separado do marido há mais de 3 anos e isso deixava-o um pouco incomodado, porque havia sempre o fantasma da comparação. Por isso, decidiu arrasar.
Para tal pesquisou na internet fragrâncias que pudessem aumentar o estímulo sexual nas mulheres. Era um assunto delicado e muito fantasioso pelo que se apercebeu, mas havia alguns odores a colectar unanimidade por grande parte dos sites que conseguiu descobrir. Dentre esses, aqueles que conhecia melhor eram a canela e o mentol.
Decidiu então fazer ele próprio uma espécie de perfume que usaria neste encontro com Sandy. E pelo sim pelo não levava também pastilhas com sabor a canela e rebuçados de mentol. Não havia hipóteses de falhar… pensou ele.
Às 10 horas e 15 minutos apareceu em frente do restaurante onde tinham combinado encontrar-se e Sandy já lá estava à sua espera. Pediu desculpa pelo atraso (causado por um pacotinho de chocolates que era praticamente o seu único vicio,que se tinham derretido no bolso do seu casaco o que o tinha obrigado a voltar a casa para disfarçar o cheiro do chocolate com a canela e o mentol).
Quando a cumprimentou aproveitou para ver a reacção dela ao cheiro que ele tinha entranhado na pele, na roupa, no cabelo, enfim em todo o lado, e pareceu-lhe que ela reagira ao odor da canela e do mentol acusando um certo nervosismo.
Entraram… sentaram-se e ele perguntou-lhe o que é que ela queria comer. Ela escolheu “Bifes au champignon com molho de natas e café” e ele para tornar a coisa ainda mais acentuada, decidiu pedir “Coelho à caçador com molho de canela”.
A meio da refeição depois de já terem soltado um pouco a inibição com uns copos de vinho verde e depois de ter verificado que ela não era nada indiferente ao odor a canela orientou a conversa para assuntos mais libidinosos tentando averiguar que tal ela achava a sua fragrância.
Para grande espanto dele, ela disse-lhe então…
- Bem … eu devo confessar que aprendi a detestar o cheiro a canela porque o meu ex-marido era negociante de especiarias e cedo descobriu o efeito afrodisíaco da canela quer nele quer em mim e por isso “obrigava-me” a ingerir e cheirar doses enormes de canela para conseguir obter de mim um estado de excitação que eu habitualmente não partilhava com ele. Isso tornou a nossa relação muito seca e falsa, porque eu já sabia o que me esperava a seguir a uma boa dose de canela.
O pobre Jim ficou boquiaberto e se tivesse um buraco onde se enfiar fazia-o de certeza. As coisas não podiam correr de pior modo para o lado dele. Desejava apenas que alguém parasse o mundo e o deixasse sair.
Sandy no entanto, continuou...
- Pior do que essa fase, só a fase em que eu descobri que o mentol era um cheiro muito agradável para mim, mas que a ele o fazia perder a vontade proporcionalmente ao que a mim me agradava. A partir daí esta mistura era o cheiro mais comum lá em casa e cada vez que ele carregava na canela, eu carregava no mentol e por isso a casa tornou-se insuportável para viver e passados 2 meses separámo-nos.
Novamente Jim sentiu-se pequenino e rídiculo ficou calado o resto da noite, tentando não exalar muito cheiro a mentol ou a canela dos rebuçados e pastilhas que tinha chupado entretanto e procurou também não se mexer muito para que o odor que ela tanto odiava não se desprendesse do seu corpo.
Quando a foi levar a casa e já na despedida (que foi feita de um modo atabalhoado para não causar mais incómodos) Jim ofereceu ainda um pequeno chocolate (que sobrara do acidente no bolso do casaco) a Sandy e afastou-se sem sequer lhe pedir um beijo de boas-noites ou combinar outro encontro uma vez que depois daquele fiasco estava tudo terminado.
Sandy entrou em casa e pegou no bombom que Jim lhe dera, deixou-o derreter nas mãos apertando-o e de seguida lambeu copiosamente os dedos dizendo… isto sim isto é um cheirinho e sabor que eu gosto.
Minutos mais tarde recostou-se na cama com a camisa de noite já vestida e começou a sonhar com Jim coberto de chocolate da cabeça aos pés e a forma como ela o iria limpar... é que o cheiro a chocolate deixava-a completamente louca...

Tuesday, October 07, 2008

O Menino de Vidro



Era uma vez um rapazito que era muito sensível a tudo. Qualquer coisa que lhe dissessem ou fizessem que o contrariasse era para ele a maior das tragédias.
Uma vez encontrou uma Srª que era uma fada do reino das Elfas e que lhe disse que ele era muito engraçadinho e muito espertalhão. O menino ficou logo todo contente e começou a mostrar à pequena fada todas as habilidades que sabia fazer (que ainda eram bastantes...) mostrou-lhe como era engraçado fazendo-a rir, mostrou-lhe como era querido fazendo-lhe festinhas e carícias, mostrou-lhe como era espertalhão falando com ela, cantando para ela e mostrou-lhe ainda milhentas coisas mais.
No fim quando a fadinha Elfa se quis ir embora, mostrou-lhe também que não passava de um menino mimado, começando a choramingar e protestar com a fadinha.
A fadinha, após tentar acalmá-lo dizendo que tinha mesmo que o deixar, acabou por se chatear com ele, dizendo...
- és um autêntico pedacinho de vidro. Não se pode tocar-te que te partes...
e saiu muito aborrecida, sem mesmo dar conta que aquela frase tinha sido proferida com a sua varinha mágica erguida e por isso, tornara-se um encantamento que caíu sobre o menino.
O menino começou então a transformar-se aos poucos em verdadeiro vidro.
Com o passar do tempo foi ficando cheio de riscos e arranhadelas (correspondentes às contrariedades da sua própria vida) e foi desenvolvendo várias lascas que picavam e cortavam quem com ele privava de mais perto.
Um dia houve uma menina que gostou muito dele. Mesmo ao vê-lo todo riscado e mesmo tendo-se várias vezes cortado nele achou-o bonito, por isso decidiu poli-lo para remover as falhas e riscos.
Hoje em dia o Sr. de vidro é um homem fosco por causa da polidela, mas tornou-se mais sociável, afável e menos agreste para quem está com ele.

Friday, October 03, 2008

Perspectivas

Guilherme era um homem que vivia uma existência banal. Operava um aparelho altamente especializado que mais ninguém na fábrica de CD’s sabia operar e talvez por isso não era propriamente uma pessoa muito popular entre os colegas de turno.
Na realidade sentia-se quase invisível entre os restantes trabalhadores de toda a empresa. Bom… excepção feita ao seu bom amigo Eduardo, aliás neste caso poder-se-ia dizer quase que o caso era oposto. Apesar de trabalharem em partes diferentes da fábrica, encontravam-se à hora do almoço e nas pausas para o café (nunca mais de 10 minutos… regras da casa) para falarem um pouco sobre tudo e sobre nada, como na realidade só 2 bons amigos fazem.

Neste dia porém, durante a operação de prensagem do último CD da Brandi Carlile a prensa que operava encravou e quando Guilherme (sentado ao painel de controlo do equipamento mas desatento a ouvir algumas músicas do CD que estavam a produzir) actuou era já tarde demais. Na tentativa de resolver o problema o homem inclinou-se para dentro da prensa com esta ainda em funcionamento e a sua cabeça ficou parcialmente encravada na prensa sofrendo uma pressão tão intensa que Guilherme desmaiou não sem antes conseguir parar o equipamento.
Passados alguns minutos, recobrou a consciência sentindo no entanto uma enorme dor de cabeça e verificou que a prensa estava novamente a funcionar aparentemente sem nenhuma anomalia a registar. Acabou aquele ciclo de produção. Anotou tudo o que achou pertinente no livro de turno optando no entanto por ocultar a pequena ocorrência com a prensa.

A partir daqui esta história está dividida em 2 perspectivas diferentes a do Guilherme em 1º lugar e a dos outros intervenientes em qualquer um dos instantes marcadas com números. É esquisito eu sei, mas aguentem só um pouco mais para me poderem dar a vossa mais sincera opinião.

Foi para os vestiários mudar de roupa e como já era costume passou por toda a gente presente sem que uma só pessoa o parecesse ver. Novamente aquela sensação de ser invisível o invadiu e por isso decidiu ir ter com o seu bom amigo Eduardo e falar-lhe sobre isso. A caminho do extremo oposto da fábrica para ir ter com Eduardo cruzou-se com este que seguia num carro com outro colega de trabalho e que praticamente o atropelava, sem sequer reparar que era ele (0) .
- Que raio… murmurou Guilherme – será que não me viu? Devo ser invisível… não?
Esta ideia e este sentimento estavam a ser recorrentes e isto assustava-o. Agora então com este último acontecimento é que ficou mesmo baralhado. Estaria mesmo invisível? Teria acontecido algo de inexplicável durante o acidente com a Prensa?
Saiu da fábrica dizendo um até amanhã como fazia todos os dias ao qual o segurança respondeu com um silêncio absoluto como aliás fazia todos os dias. Desta feita Guilherme foi até ao vidro da pequena cabine do guarda e bateu no vidro para chamar a sua atenção. No entanto este gesto não provocou nenhuma reacção no guarda. (1)
Guilherme bateu outra vez com força no vidro e levantou os braços para chamar a atenção do guarda, mas este nem sequer reparou nos gestos de Guilherme que acabou por se ir embora (2) .
Estava cada vez mais baralhado com tudo aquilo e cada vez mais se sentia invisível perante o mundo e as pessoas.
Entrou no centro comercial que ficava perto da fábrica e ao passar pela loja de informática lembrou-se que hoje era um dia especial porque ia comprar uma impressora nova para a sua filha. Ao entrar na loja embateu com força contra um homem que estava de saída, mas este nem sequer pareceu notar (3) .
Dirigiu-se ao local onde supostamente estaria a impressora que queria comprar. Era uma caixa enorme e por isso pediu ajuda a um dos colaboradores da loja para a carregar até à caixa, mas mais uma vez o homem pareceu ignorá-lo nem sequer lhe dirigindo a palavra (4) . Gritou com ele mas foi absolutamente inútil pois o homem continuava a não o querer ouvir. Irritadíssimo com tudo isto e com a enorme fila de pessoas nas caixas tradicionais, optou por fazer a compra na caixa automática tratando ele de fazer o pagamento e tudo o resto.
À saída, ouviu o alarme na caixa da impressora disparar e pensou desta vão ver-me… ou então estou mesmo invisível. Perante a falta de reacção do segurança ao apito ensurdecedor e à luz vermelha do alarme chamou uma data de nomes ao guarda que olhou algures na sua direcção com um sorriso na cara (5) .
Ok, pensou estou mesmo invisível. Desmoralizado e já convencido que estaria invisível entrou no autocarro que o levava até casa. Nem sequer mostrou o título de transporte. O motorista nem sequer pestanejou na sua direcção, em vez de começar logo a resmungar com quem não mostra o passe ou bilhete como era habitual(6) .
Saiu na paragem mesmo à porta de casa, subiu o lance de escadas imaginando o que seria entar em casa sem ninguém o ver, mas assim que pôs a chave à porta, ouviu dizer.
- Papá… papá
Para grande espanto seu afinal alguém o via, a sua pequenita sabia que ele existia e conseguia vê-lo. Abraçou-se a ela como nunca tinha feito, deixando cair a caixa da impressora, o que fez que a sua mulher viesse também preocupada com o barulho, ver o que se tinha passado. Quando o viu dirigiu-se a ele e beijou-o longamente como só ela sabia fazer.
Ela apercebeu-se que algo não estava bem, quando verificou que ele tentava falar com elas movimentando apenas a boca para tentar atabalhoadamente contar como se tinha tornado invisível nesse dia.
Após uma consulta no médico verificaram que a única consequência do acidente com a prensa tinha sido o facto de Guilherme ter ficado amnésico e ter esquecido o que dizia respeito ao facto de ser mudo e portanto esquecia-se de comunicar com as pessoas gestualmente.

(0)Eduardo afirma a pés juntos que estava a falar com o colega sobre as novas
músicas do CD e que nem reparou em ninguém a caminhar na estrada.

(1)O guarda da fábrica continuou a ler o jornal e a ouvir a cópia pirata que já tinha conseguido fazer do CD da Brandi Carlile nos seus “headphones” escondidos debaixo da farta cabeleira.

(2)O guarda estava tão compenetrado na audição do CD e tão contente a pensar na sorte que era fazer o serviço numa fábrica de CD’s e poder obter cópias piratas dos CD’s da moda sem trabalho nenhum, que nem prestava atenção ao que se passava na entrada da fábrica e o som dos headphones estava suficientemente alto para que não ouvisse nada mais.

(3)O homem tinha acabado de roubar um mp3 da loja, tinha-se apercebido que estava a ser vigiado e queria era sair dali o mais rapidamente possível .

(4)O colaborador não conseguia ouvir nada porque o som das aparelhagens na zona de Hi-Fi da loja estava altíssimo e além disso estava-se bem a borrifar para o que lhe pudessem dizer nesse momento... tinha acabado de receber um telefonema da mulher a dizer que queria o divórcio e não conseguia deixar de pensar nisso.

(5)Na realidade o guarda sabia que todo o santo dia os alarmes da loja tinham estado a funcionar mal e por isso não achou estranho ver Guilherme a gesticular e falar, apesar de não conseguir ouvir nada por causa do malfadado alarme sorriu educadamente porque o cliente tem sempre razão.

(6)O motorista do autocarro 764 estava completamente vidrado no decote da menina que estava segura ao poste do obliterador de bilhetes e que ainda por cima parecia sorrir para ele cada vez que os seus olhares se cruzavam. Por isso queria lá saber dos gajos que entravam sem bilhete, o que ele estava era já a pensar que hoje estava com sorte e já tinha onde ir dormir

Jogos


Ela sentiu perfeitamente o cheiro dele quando ele aproximou a sua face da dela.
Tinha pontualmente algumas gotas de suor a aparecerem na cara, apesar de todo o esforço que já fizera. Mas ainda não mostrava sinais de cansaço, apresentando até um sorriso malandro na cara. Ela gostava particularmente do modo como ele mordiscava o lábio quando estava numa situação de concentração e isso estava a começar a acontecer.
Preparou-se ela também dizendo ... vá ... dá-lhe tudo. Ele acusando agora o esforço que estava a fazer para se manter naquela posição durante tanto tempo disse... ok vou tentar ... é como um mergulho...
Ela procurava na expressão dele uma pista que lhe indicasse qual o movimento que ele queria fazer. Sentiu então a pressão que o corpo dele fazia sobre a sua barriga e sentiu o roçar do braço dele a passar pela sua perna direita, enquanto tentava ao mesmo tempo manter o equilíbrio. Resultou... a primeira fase estava feita... A seguir ele, movimentou a cabeça de modo a ficar com a orelha esquerda dele mesmo junto à face dela para poder alcançar com o braço direito o ponto que queria e que lhe ia permitir então fazer o último movimento.
Novamente ela encorajou-o
- vai... vai... isso...
ele já sem medo disse-lhe...
-ok, aqui vai... posso? estás bem? aguentas-te de certeza? não te estou a magoar?
ela apenas murmurou - hum, hum anuindo com a cabeça.
Então ele mexeu-se entre a perna esquerda dela e o ponto de apoio da sua própria perna e disse já em desespero de causa... está quase... aqui vai...
E ... caíram ambos redondamente no chão da sala. Ela desembaraçou-se demoradamente do corpo dele e disse
- eu bem te disse que não ias conseguir mão direita na bola vermelha e pé direito em bola verde é quase impossível na situação do jogo em que estávamos... ganhei... e tu perdeste... por isso és tu que lavas a loiça.
Ele levantou-se resmungando ... é injusto ganhas sempre quando jogamos ao Twister.. vou deixar de apostar tarefas de casa neste jogo, e saíu para a cozinha sorrindo enquanto assobiando lavava a loiça do jantar.
Mais tarde, bastante mais tarde...já a noite ia avançada treinaram outra vez ... "o mergulho".