Sunday, December 20, 2009

Ela Voltou a casa para o Natal (ou porque é que se comem tantos doces no Natal)


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Ela chegou ao local de encontro, com o seu longo cabelo escuro a esvoaçar ao vento e como habitualmente, chamou
- Docinho, cheguei…
Ele apareceu e correu para a sua Princesa, por quem tinha esperado tanto tempo.
O encontro entre os dois foi tudo o que eram os encontros entre os dois, quente, sensual, doce, intenso e infelizmente curto.
No final do fugaz encontro ela contou-lhe da decisão de seu pai o Rei do reino de Nasai de a mandar numa viagem de cortesia pelos reinos vizinhos na esperança que ela se afastasse do camponês por quem o Rei já tinha ouvido rumores que estava apaixonada.
Distraídos a falar sobre o assunto, nem repararam na bruxa Lígiel que se tinha materializado junto a eles e que sem hesitar lançou um feitiço sobre o parzinho romântico antes mesmo de eles se poderem afastar. Ao mesmo tempo que proferia a frase “Corpum est ad infinitum, sanctuarium al edulcor” (que na realidade não quer dizer nada, mas soa bastante a latim e consegue impressionar qualquer um) rasgou a pele do pobre camponês com a sua unha.
A Princesa saiu a correr fugindo para a sua carruagem e pedindo ao cocheiro que arrancasse para o castelo, afastou-se o mais rapidamente possível.
No dia seguinte, à partida do cortejo real que levava a Princesa à Corte dos Correia (a família real do reino mesmo ao lado de Nasai), assistiu também o pobre camponês cujo ferimento tinha começado já a infectar libertando uma espécie de pus que cristalizava de imediato e que devia feder o suficiente para todas as moscas do reino quererem pousar sobre a ferida. Com receio da reacção da sua amada, ele nem ousou aproximar-se.
Com o passar dos dias o buraco feito pela bruxa má foi aumentando de tal maneira que o pobre camponês adivinhando o fim próximo da sua existência decidiu mandar uma mensagem à sua amada que na sua digressão de Natal na Corte dos Correia tinha já angariado simpatia de todos os nobres casadoiros.
Quando recebeu a notícia que dava conta do estado do seu amado a Princesa decidiu voltar rapidamente para o reino de Nasai, contrariando as ordens de seu pai que a tinha aconselhado a voltar apenas após o Natal.
Quando finalmente chegou ao pé do seu amor já este parecia uma chaga viva e não bastasse o mau aspecto do exsudado da ferida, a presença dos milhares de moscas em volta do camponês tornavam o quadro muito mais horrível.
Quando a Princesa se aproximou do pobre camponês disse timidamente:
- Oh, meu docinho, como tu estás? Vou mandar chamar o médico real.
Batendo palmas ordenou ao cocheiro que fosse buscar o médico do Rei. No entanto, o pobre camponês adivinhando que lhe restavam apenas alguns minutos de vida pediu apenas um beijo à sua amada.
Com repulsa, mas a coragem característica de alguém que transporta nas veias sangue azul, ela aproximou-se e beijou o sítio onde havia menos liquido a verter da enorme chaga que o camponês era.
De seguida fazendo uma cara admirada a Princesa disse
- humm, docinho.
De seguida começou a lamber o corpo do pobre camponês que finalmente conseguiu perceber que ela se deleitava com o liquido que escorria das suas feridas, porque era na realidade um liquido doce, tipo geleia de marmelo. E a Princesa como gulosa que era não podia deixar de aproveitar tanto docinho.
À medida que foi limpando com a língua o corpo do camponês as feridas começaram a secar quebrando-se assim o feitiço que a malévola Lígiel tinha lançado.
A princesa acabou mesmo por curar o camponês à lambidela, e casaram no dia seguinte.
O Rei que não conseguiu evitar dar também umas lambidelas no doce que jorrava do corpo do camponês acabou por declarar que desse dia em diante, o Natal era época de comer doce. Com o passar das gerações e o diluir da tradição, foi-se acrescentando novas iguarias e é por isso que hoje em dia no Natal nos atafulhamos de doces.
Tudo porque ela voltou a casa para o Natal.

Thursday, October 01, 2009

A Lenda de Carmen a Génia


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Para Harold, aquele era um passeio apenas para desanuviar a sua cabeça.
Em casa parecia não haver já razão para ficar e o passeio tinha ainda a vantagem de lhe permitir ir até à loja de penhores e tocar um pouco de guitarra ao desafio com o puto que trabalhava na loja.
Nesse dia porém, o puto não se encontrava lá, e a substituí-lo estava um homem antipático (provavelmente o dono da loja) que quando se apercebeu que Harold era um habitué da loja, mas que pouco ou nada comprava e apenas utilizava a loja como poiso para as “jam sessions” com o outro maluco, lhe disse que estava proibido de tocar fosse no que fosse, se não comprasse nada.
Harold decidiu então que iria comprar uma peça bem barata, para não dar parte de fraco. Procurou, procurou até que numa das prateleiras mais baixas da velha loja descobriu uma espécie de viola chamada Tanpura, que tinha já a caixa de ressonância partida, mas que estava a um espectacular preço de 3,99€. Com jeito ainda a conseguia reparar e ficava com um instrumento exótico para a sua colecção. Pegou nela e fechou negócio com o usurário.
Chegado a casa pegou na velha Tanpura e começou a esfregá-la para a limpar e poder assim mais facilmente avaliar os danos que ela tinha sofrido. Ao passar numa das rachas com a mão ouviu um som de algo a partir-se e de dentro da Tanpura começou a sair um fumo negro. O seu instinto foi largar o instrumento que caindo ao chão se partiu.
Nesse mesmo instante, o fumo negro começou a tomar forma e em poucos segundos tomou a forma de uma esbelta mulher.
Harold estava embasbacado a olhar para a forma fumarenta da mulher, que apresentava um doce sorriso nos lábios e olhava para Harold com malandrice. Depois, numa voz calma disse.
- Obrigado por me libertares, estava presa dentro dessa Tanpura, faz mais de 300 anos.
Harold balbuciava qualquer coisa imperceptível, enquanto olhava para a mulher e gesticulava intermitentemente entre o chão os restos do instrumento e a mulher como que a tentar explicar a si mesmo o que tinha acontecido.
A mulher disse-lhe então, que se chamava Carmen e era uma génia (ou seja um génio do sexo feminino) e que em sinal de agradecimento lhe concederia 3 desejos. O pobre rapaz ficou estático e perguntou se podia pensar um pouco no que pedir.
E assim fizeram uma combinação, quando ele tivesse decidido o que pedir, bastaria pensar nela, que ela apareceria disponível para lhe satisfazer o desejo.
E desde esse dia, Harold habituou-se a chamar Carmen (pensando nela) e passava horas a falar de tudo um pouco com a mulher, que entretanto aparecia para o ouvir pedir o seu desejo. Vários dias se passaram até Harold fazer o primeiro pedido. E nesses dias ele foi descobrindo uma mulher espectacular, bonita, inteligente e sensual, que estava sempre disponível para estar com ele, sempre com um sentido de humor apurado e uma aura de mistério, características estas que foram fazendo com que Harold fosse ficando apaixonado por Carmen.
O primeiro pedido foi trivial, queria ser rico. Carmen satisfez o seu pedido no mesmo instante, enchendo-lhe a casa de ouro e jóias.
Mas Harold passou pouco tempo a usufruir dessas riquezas, porque nesse momento já só conseguia pensar em Carmen e o quanto queria era estar com ela. Por isso, mais uma vez a chamou e mais uma vez a bela princesa de pele escura e corpo esbelto veio ter com ele e mais uma vez ficou a conversar com ele, ouvindo as suas histórias e contando-lhe as dela. Carmen confessou a Harold que era uma princesa na terra de onde viera e que o seu próprio pai lhe tinha lançado a maldição que a tornara numa génia e a tinha encarcerado dentro da Tanpura. Contou-lhe também que agora que tinha sido libertada da sua prisão, quando satisfizesse os 3 desejos seria obrigada a voltar para a sua terra.
E não passou nem mais 1 dia até Harold formular mais um pedido. Queria que Carmen lhe dissesse se o amava como ele a amava a ela. A resposta de Carmen foi afirmativa e durante os 2 ou 3 dias seguintes amaram-se como se não houvesse amanhã, e o tempo existisse só para eles [Nota do tradutor : eu pessoalmente acho até que não foram 2 ou 3 dias, mas sim 2 ou 3 meses].
Ao fim desses 3 dias (ou 3 meses), deitado na cama disse a Carmen que queria que ela soubesse que ele a amava tanto, tanto, tanto que já não conseguia viver sem ela. Ela sorriu porque era aquilo que ela sempre tinha querido ouvir.
Nesse mesmo instante Harold disse-lhe:
- Já sei qual é o meu terceiro pedido. Quero que fiques comigo para sempre – disse-lhe ele com voz séria e grave, depois sorrindo afirmou
- Assim quebro o efeito da tua maldição que te obriga a voltar à tua terra após satisfazeres os 3 desejos.
Ela olhou então para ele e começou a chorar tentando explicar ao mesmo tempo que se começava a desvanecer no ar.
- Não meu amor - disse Carmen, tu já não tens nenhum pedido e eu já estou a ser convocada para a minha terra, é irreversível.
Harold sem perceber muito bem o que se estava a passar gritava
- Mas eu ainda tinha o 3º desejo, o que é que se passa
A imagem de Carmen foi-se esfumando cada vez mais, mas antes mesmo de desaparecer ela conseguiu ainda dizer
- Tu disseste que querias que eu soubesse que me amavas tanto, tanto, tanto que já não conseguias viver se mim. Esse, sim, foi o teu 3º desejo, meu amor. Fizeste-me muito feliz com esse teu desejo… Adeus
E no instante a seguir desapareceu.
Desde esse dia, Harold passou os seus dias agarrado aos restos da Tanpura, tocando avidamente todas as notas e todas as escalas na esperança que Carmen apareça novamente. Tornou-se a maior tocador de Tanpura, vivo à face da terra e apesar de estar sempre com um semblante calmo, nota-se a angústia de alguém que procura o seu par, em cada nota.

Wednesday, August 19, 2009

Banda Sonora de uma vida cheia de “Aventuras “ e “Surpresas”


Banda Sonora - soundtrack-of-a-day-part1

Os seus amigos chamavam-lhe Óstar, isto porque uma vez em tom de brincadeira o seu amigo Rui lhe tinha dito que ele em vez de Óscar (o seu verdadeiro nome) se deveria chamar OSTar porque arranjava sempre uma música adequada para cada ocasião, um pouco como se estivesse a fazer constantemente uma banda sonora de uma vida. O trocadilho estava giro e a brincadeira acabou por pegar.
Óstar (ou melhor Óscar) era um jovem com um vasto conhecimento musical, mas acima de tudo era uma pessoa com uma excelente memória e um enorme sentido de oportunidade, características que lhe conferiam uma facilidade inigualável em conseguir sempre lembrar-se de uma música cujo nome, tema ou letra fossem relacionados com o que se passava à sua volta nesse preciso momento.
Era comum os seus amigos passarem tardes na esplanada de um qualquer café em divertidos concursos a tentar arranjar palavras que ele não conseguisse encontrar em nenhum nome ou letra de música, sem terem sucesso (excepção feita claro ao seu amigo Paulo que recorria sempre ao já célebre “Desarcebispoconstantinopolizar” para tramar Óstar).
Esta faceta de Óstar foi obviamente crucial na profissão que ele iria acabar por escolher: Locutor de rádio. E ainda na casa dos trinta anos, tornou-se o maior locutor de rádio de todos os tempos, com um programa que acumulava sucessos atrás de sucessos, e que consistia basicamente num primeiro instante num telefonema de um ouvinte que em directo dizia o que estava a sentir, o que o preocupava, o que queria…, enfim … só tinha que dizer uma palavra e a partir desse instante, a emissão de cerca de uma hora e meia começava, com Óstar a pôr no ar, apenas músicas relacionadas com o tema que o ouvinte tinha sugerido.
O programa acabava quase por ser um concurso do ouvinte contra Óstar, mas acima de tudo era um cardápio de músicas servidas com um bom gosto inquestionável e a constante pesquisa e actualização de Óstar neste campo faziam desta hora e meia uma autêntica estreia antecipada para muitas das músicas que se tornariam um sucesso nos próximos tempos.
É claro que para Óstar havia temas incontornáveis, como por exemplo quando lhe falavam de amor, “Love of my life” dos Queen, ou quando lhe falavam de saudade “I Miss You” dos Incubus. Mas depois a parte mais gira era quando as relações entre temas e palavras começavam a surgir, que era o caso da escolha que tinha feito para aquele programa sobre o Natal em que tinha incluído o “Last Christmas” dos Wham (um incontornável que era a seu ver uma das melhores canções sobre amor, ou melhor desamor) mas tinha também incluído o “Wishlist” dos Pearl Jam que na realidade falava da Christmas tree, mas acima de tudo fazia a descrição de uma lista de pedidos, e isso ele relacionara com os pedidos de natal.
Com o tempo, e o sucesso do programa, Óstar foi convidado para fazer compilações sujeitas a um tema e que se tornaram em “best-sellers”. O dono da editora discográfica, nem precisava de saber qual era o tema que Óstar iria escolher e Óstar nem se preocupava com a escolha porque o seu estado de espírito era o seu guia na escolha do tema. E cada compilação que ele fez correspondeu a uma fase da sua vida. A fase da sua grande paixão pela mulher com quem tinha casado tinha resultado numa colectânea chamada “Love” a fase de borgas que se seguiu resultou na colectânea “Fun”, o desalento e abandono que experimentou quando a sua companheira o deixou deu azo à colectânea “Lonely”, a fase de medo e paranóia em que entrou de seguida resultaram na colectânea “Scared”, a fase de espiritualidade e religiosidade em que se viu envolvido de seguida deram origem à colectânea “Sacred”. E claro está que houve lugar à colectânea “Love 2”, 3, 4, etc.
Nos últimos tempos, Óstar tinha começado a escolher músicas para a sua próxima colectânea, mas a sua actual companheira (Sara de seu nome), achava-o triste e preocupado. Por várias vezes tinha já perguntado qual seria o nome da nova colectânea, mas ele fechava-se e recorrendo a respostas evasivas nunca chegava a responder.
Um dia aproveitando o facto de Óstar ter saído para ir passear junto à falésia que ficava junto à casa deles, ela procurou e conseguiu finalmente encontrar um papel com as anotações das músicas para a próxima colectânea de Óstar.
No papel começou por ler entre aspas “Desarcebispoconstantinopolizar”, abaixo estava a lista das canções que tinha escolhido,

01 – Join me in Death – Him
02 – Death is not the end – Nick Cave & The Bad Seeds
03 – Tears in heaven – Eric Clapton ...

Sara, sem acabar de ler a lista, saiu a correr porta fora em direcção à falésia. Chegou a tempo de ver no fundo da falésia dentro do azul do mar, uma mancha cor de laranja que parecia a T-Shirt que Óstar tinha vestido minutos atrás quando saíra.
A colectânea “Desarcebispocontantinopolizar” foi um sucesso.

Friday, July 31, 2009

A Noite caíu




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Recostei-me na cadeira e comecei a sonhar acordado. Aos poucos fui adormecendo e comecei a sonhar com a noite anterior. Parecia-me sentir o seu longo cabelo castanho a deslizar nas mãos e o aroma dela a entrar pelas narinas, até que… um grande barulho lá fora na rua, me fez despertar.
Corri para a janela e quando a abri constatei que lá fora a noite tinha caído.

Monday, July 13, 2009

Perfeito Coração




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Enquanto esperava pelo tão desejado comboio, ia ouvindo a gravação com a voz de mulher repetir vezes sem conta “O Comboio suburbano com destino a …” e logo de seguida uma outra gravação com uma voz masculina que acrescentava “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância de segurança”.
Finalmente, ao fim de mais de 40 minutos à espera, ouvi anunciar a chegada do comboio pelo qual esperara toda a noite.
Entrei... e lá estava ela sentada no lugar que tínhamos combinado, na carruagem que tínhamos combinado. Olhou para mim, sorriu e fez um olhar apreensivo apontando em direcção às luzes da carruagem que se encontravam quase todas apagadas. Só nessa altura reparei que de facto a carruagem estava quase às escuras.
Sentei-me ao lado dela enquanto as portas do comboio se fechavam. Estávamos sozinhos na carruagem e ela deu-me a mão e começou a falar-me sobre a viagem de comboio e o medo que tinha sentido porque vinha no escuro.
Depois tudo começou a acontecer tão rapidamente que me parecia um sonho.
Ela pegou-me na mão e encostou-a no seu peito. Senti o volume do seu seio redondo, carnudo e pensei que devia estar a chegar ao céu, ela entretanto disse-me baixinho
- Sente só como bate o meu coração
A mim apenas me ocorreram aqueles versos de Alexandre O’Neill,

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração

que declamei sem grande jeito, mas com muita convicção. A convicção de alguém que sentia que dois corações batiam no seu próprio peito.
Ela inclinou um pouco mais a sua cara na minha direcção e…
O aroma que sentia agora que as nossas caras, as nossas bocas e lábios se aproximavam era divinal. Ela cheirava a canela, cheirava a flores… sei lá eu… cheirava tão bem… cheirava a ela. E quando os nossos lábios se estavam quase quase a tocar, quando o ar que eu inspirava era já o ar que ela expirava… Apareceu o “pica”.
Com uma falta de tacto do tamanho do próprio comboio, interrompeu-nos dizendo
- Os bilhetes por favor!!!
Estava tudo lixado. Aquele palhaço tinha dado cabo de um momento perfeito.
Ainda por cima devia estar a gozar o prato e depois de ter inspeccionado os nossos bilhetes sentou-se no banco mesmo à frente de nós.
Sorria com um ar de gozo, e com notório prazer verificou que tinha conseguido acabar com o momento. Depois disse
- E os senhores vão para??
Completamente fora de mim respondi
- Olhe!!! Eu estava a caminho do céu e só esperava que o Sr. fosse para o lado oposto.
O “Pica” de seu nome Jorge Reis, começou a fazer um grande discurso sobre a educação, a juventude e tudo o resto, e ali se foi deixando ficar até chegar o nosso destino. Ou melhor o dela, que saía primeiro que eu e que se despediu de mim com um singelo beijo na cara dizendo até amanhã.
E eu ainda gramei com o Sr. J. Reis até à estação de Entre Campos que era o meu destino. Ali me deixei ficar sentado apático e a pensar no meu azar. Durante os 10 minutos que ali fiquei sentado, ouvi novamente a gravação da voz feminina e masculina pelos menos umas 6 vezes. Era mesmo chata aquela porcaria. Pensei que ainda mais chato e ruim tinha sido o “Pica” que me tinha lixado. Isto não podia ficar assim.
Fui para casa, liguei-me à internet e comecei a pesquisar. Ao fim de 2 horas já estava a acabar o que era preciso para me vingar em pleno.
No dia a seguir quando me dirigia a correr para apanhar o comboio, via todos os que saíam da estação a rirem-se ou pelo menos sorrirem e percebi que o meu estratagema funcionara. Tinha dado trabalho, mas segundo pude apurar depois, até nas noticias tinha sido comentado que um “hacker” qualquer tinha conseguido entrar no sistema informático da CP e tinha substituído a mensagem de aviso de cuidado com as distâncias nas entradas para o comboio por uma bastante mais original.
Sorri ao entrar na estação, e em vez de ouvir a voz monocórdica do homem a repetir vezes sem conta “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância de segurança” ouvia agora dizer numa voz que não reconhecia (porque a nossa voz nunca nos soa igual quando a gravamos) “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância ao revisor Jorge Reis. Caso ele se encontre na carruagem fuja o mais rapidamente possível”.
Só por volta das 16h30 é que conseguiram voltar a repor a gravação original.

Duas perguntas ficaram ainda por responder: 1ª Deviam pagar a um homem para estar a repetir “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância de segurança” durante o dia inteiro, ou é preferível utilizar uma gravação? 2ª Afinal porque é que a canção se chama "Gaivota"?

Saturday, July 04, 2009

À espera




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João Louro não era um homem muito apreciado pelos seus colegas, e por isso, ninguém ligou muito quando ele chegou um dia ao local de trabalho com uma pose altiva e orgulhosa, exibindo um papel enrolado na sua mão.
A “alto e bom som” apregoou perante os colegas que tinha finalmente conseguido (ao fim de mais de 20 anos a trabalhar como um mouro sem tirar férias nem nada) comprar o terreno mesmo em frente à fábrica onde trabalhavam e ali iria construir a sua nova casa.
A opinião generalizada era que ele era louco, pois enquanto toda a gente se tentava afastar dali e aproveitava cada dia de férias como uma bênção divina, João passava os seus dias na fábrica a trabalhar ignorando os comentários sarcásticos dos colegas que rindo lhe diziam:
- Quando estiver sentadinho na minha cadeira lá em casa a beber um belo café e a fumar um cigarro, vou-me lembrar de ti João e vou pensar … coitadinho do Louro! Tem que ir trabalhar!
João não dava importância aos comentários e sorria…
Os anos seguintes foram (ainda mais) árduos para ele porque a construção foi sofrendo atrasos sucessivos, e todos os imprevistos que se possam imaginar… aconteceram!
Desde a descoberta de umas ossadas de dinossauro nas imediações do seu terreno, que obrigaram à paragem das obras de construção da sua casa até se ter confirmado que os limites do seu terreno não conflituavam com os limites do achado arqueológico, até à descoberta de um antigo depósito de resíduos radioactivos (provavelmente da fábrica onde trabalhava) que obrigou a uma série de inspecções para garantir que os níveis de radioactividade estavam dentro dos limites aceitáveis tudo foi contribuindo para o atraso da construção da casa. Mesmo assim João não parecia muito preocupado, argumentando sempre que, apenas queria aquela casa para quando se aposentasse (o que aliás era já num futuro bem próximo).
Finalmente, chegado o dia da sua aposentação, João estreou também a sua nova casa.
Desde esse dia, era possível vê-lo diariamente às 8 horas da manhã sentado na varanda da sua casa a beber um café e a fumar um cigarro, exibindo um sorriso de orelha a orelha.
Acenava para cada um dos colegas que entrava e quem se conseguisse aproximar um pouco mais poderia até ouvi-lo dizer:
- Coitadinho do Costa! Tem que ir trabalhar!
- Coitadinho do Soares! Tem que ir trabalhar!
- Coitadinho do Mendes! Tem que ir trabalhar!
- Coitadinho do ...

Monday, June 29, 2009

Atrasado




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- Amo-te – disse ele enquanto se virava para trás.
No local onde ela estacionara o carro e estivera a conversar com ele, agora apenas conseguia ler na parede a estrofe de uma canção

“You do something to me, that I can’t explain
So would I be out of line If I say
I miss you”

Mais uma vez tinha reagido de um modo estúpido, ela tinha acabado de lhe dizer que até o seu cheiro a enlouquecia e ele apenas ripostara jocosamente
- Então o melhor é eu tomar um grande banho antes do nosso próximo encontro.
Ao sair do carro dela e reconhecendo que a probabilidade de voltarem a estar juntos era muito diminuta dissera apenas …
- Até sempre.
E só ao fim de uns istantes (e de ter andado pelo menos uns 20 metros) é que se virou para trás e lhe tinha dito que a amava.
As suas respostas eram sempre tardias. Ao longo da conturbada relação tinha sido sempre assim.
Quando ela já estava completamente entregue ao namoro, ainda ele andava todo cheio de dúvidas e mas… mas…mas. Mais à frente quando ela já pensava em esquecer tudo o resto e ter um filho dele, estava ele numa fase muito atrasada. E quando finalmente ela decidiu que a relação entre os dois já não dava, estava ele desejoso de constituir família e terem um filho como ela desejara tempos atrás.
Na realidade andava sempre atrasado e a prova estava neste reencontro entre os dois em que tudo se passou exactamente do mesmo modo.
Quando ele finalmente se tinha decidido … já ela tinha partido. Seria assim toda a sua vida? Um atraso permanente?
Ali mesmo se prostrou no chão a chorar por mais uma (provavelmente a última) hipótese perdida de ser feliz e rogou aos Deuses que o fulminassem ali mesmo por ele ser tão estúpido e tão lento a reagir. Tirando a gabardine e abrindo a camisa para expor o tronco nu desafiou a intempérie na esperança que um qualquer raio o atingisse.
Ela tinha acabado de decidir que apesar de não ser o mais adequado o amor que sentia por ele era suficiente para tentar outra vez. Deu a volta ao quarteirão e dirigiu o seu carro para o sítio onde minutos antes tinham estado estacionados a conversar. Nem sequer reparou no vulto que se encontrava na estrada abalroando-o com violência.
Parou o carro e saiu para a noite chuvosa para verificar o que é que tinha acontecido. Qual não foi o seu espanto quando reconheceu a gabardine do homem que tinha ido procurar. Olhou estupefacta para o vulto que jazia no chão incapaz de se aproximar, com medo de saber a terrível verdade.
Nessa altura ouviu a voz do homem dizer
- tinha acabado de decidir que te ia procurar outra vez para te dizer que quero ficar contigo para sempre, felizmente desta vez … não me atrasei.

Monday, June 22, 2009

Viciado


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Agora que tinha chegado a este estado de dependência, lembrava todos os alertas da família, que tinha ignorado. Agora que estava “agarrado” e já não podia passar sem ela, dava razão a todos os que me tinham avisado.
Lembrei o modo como o meu pai sempre referia (quando se falava do assunto) que o problema era experimentar.
Lembrava as minhas primeiras experiências e os efeitos que as mesmas tiveram sobre mim, a euforia, a sensação de algo muito novo e a vontade imensa de correr, de marcar um ritmo que só eu ouvia e experimentar mais.
Depois com a entrada no liceu, veio a possibilidade de experimentar coisas diferentes e a “oferta” aumentou. Muitos colegas estavam na mesma situação que eu e íamos trocando “cenas” para experimentarmos sempre coisas diferentes.
Agora, chegado a este estado de total dependência, e vontade de estar sempre a experimentar mais coisas novas, eu me confesso totalmente e completamente viciado. Sim, sou um musicómano… por favor ajudem-me!!! Preciso de mais e mais música.

Friday, June 19, 2009

O Teatro dos Sonhos




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Hoje fui ao teatro dos sonhos. Foi brutal…
A peça que apresentavam era “Cenas de uma memória” - A minha memória.
E por isso, durante cerca de 2 horas vi e revi muitos momentos da minha vida.
Vi o passar dos anos ocos, o modo como fiquei preso numa teia (a tua teia),recordei como me aceitaste tal como sou e vi o nosso rito de passagem. Com alguns ri-me, com outros deleitei-me, outros comoveram-me e ainda houve aqueles que me fizeram chorar. Mas com todos, sem excepção, vibrei.
No fim, estava arrasado, mas forte... cansado, mas pronto para tudo. Estava também triste porque me apercebi que só notamos que algo ou alguém nos faz mesmo falta, quando em vez de dizermos
– Epá… faz-me falta!!!
Dizemos
– Fogo… fez-me falta!!!
Mesmo assim, venho contente porque também me apercebi que o espírito continua mesmo depois de termos desaparecido.
Viva o teatro dos sonhos.

This one goes out to the "Gman"

Monday, June 15, 2009

Super, ultra ou hiper?




O instável equilíbrio que se vivia na pequena cidade de BenStay não iria concerteza resistir ao enorme furacão que era a chegada de mais um super-herói.
Eles já tinham o Super-Homem e o Ultra-Homem que desde o início dos tempos se degladiavam pelo título de defensor da cidade de BenStay. Os atritos entre os dois eram bem conhecidos de toda a população que se dividia entre a adoração ao Super-Homem e a veneração ao Ultra-Homem. E agora a chegada do Hiper-Homem só poderia ir complicar ainda mais as coisas.
Quando havia algum tipo de problema em vez de 1 super-herói chegavam rapidamente ao local 3 e a confusão era total. Geralmente com tanta vontade que tinham de ser eles a ajudar, os 3 super-heróis acabavam por atrapalhar tudo e era melhor, por assim dizer, morrer da doença que da cura.
Todos achavam o Super-Homem mais forte, por outro lado o Ultra-Homem era o mais inteligente e o recém-chegado Hiper-Homem era sem sombra de dúvida o mais bem-falante de todos. Mas todos eles possuíam super-poderes diferentes e era realmente difícil decidir qual deles era o melhor super-herói. Era difícil escolher um deles.
Foi a presidente da Câmara da cidade (que se dizia que já ter andado envolvida com cada um deles) que teve a brilhante ideia de promover um confronto entre os 3 super-heróis para avaliar qual o melhor deles, para que depois fosse emitida um ordem de expulsão para os outros 2.
- Eles que vão salvar o “raios-que-o-parta” - dizia o representante do povo na câmara de BenStay.
Por isso, no dia 11 de Junho de 2009 os 3 super-heróis (candidatos ao lugar de “super-héroi de BenStay”) confrontaram-se na praça da cidade. Os trovões, os raios de luz e os disparos de energia que naquele dia se viram no céu da cidade, hão-de ser sempre recordados, mas sobretudo fica na memória dos presentes o estado em que toda a cidade ficou depois do combate. Completamente arrasada pelas explosões e embates violentos que sofrera.
Quando a meio do combate os 3 super-heróis viram o estado da cidade de BenStay acharam por bem ir-se embora de vez, uma vez que nada havia ali para eles. A cidade estava completamente arrasada.
No meio de tanto desespero, e tanto destroço, os habitantes viam-se agora sem nenhum super-herói para os ajudar na tarefa de reconstrução da cidade. E durante meses lutaram desesperadamente contra os malfeitores que saqueavam a cidade indefesa.
Foi por isso com emotividade e alegria que acolheram entre si o novo super-herói que se apresentou na agora reconstruída cidade de BenStay.
Era pequenino, rápido e chamava-se Micro-Man. Os seus super-poderes eram muitos e potentes por isso a população ficou felicíssima com o seu novo super-herói. Tanta fama granjeou a cidade que passados alguns meses apareceu o PicoMan e passados mais 2 ou 3 meses apareceu o Nano-Man. E tudo voltou ao que era.
Só que desta vez, quando a Presidente da Câmara sugeriu um combate para decidir quem seria expulso, a população não hesitou.
Hoje em dia os 3 super-heróis coabitam pacificamente. Existem problemas de excesso de zelo por parte deles, mas sem a presidente da Câmara a chatear … tudo se resolve.

Monday, June 08, 2009

Remédio para todos os males




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Tudo começara, anos antes, com a sua primeira incursão nos tratamentos para emagrecimento, recorrendo a bacilos geneticamente modificados.
A primeira experiência tinha sido levada a cabo com uma mulher que após ter tido um “affair” extraconjugal durante mais de 2 anos, tinha-o acabado, apenas para descobrir que se sentia miserável sem o seu amante e que se vingava na comida tendo engordado mais de 10 quilos desde que o “romance” tinha acabado.
O Doutor Chase tinha tratado Evelyn Grace (assim se chamava a mulher) com uma bebida de leite fermentado (vulgo iogurte) em que tinha sido introduzida uma estirpe de bacilos geneticamente modificados que faziam o consumo de gorduras em excesso sendo depois facilmente eliminados pelo corpo humano. Pelo menos era o que ele tinha vendido à esposa do director da empresa Grace que após um mês de tratamento estava realmente bem mais magra. No fim do tratamento e numas análises rotineiras, Chase tinha detectado um nível anormalmente alto de toxinas no sangue da mulher, mas desvalorizara o assunto.
Dos muitos milhares de pessoas que tinham feito o mesmo tratamento apenas algumas tinham sofrido efeitos secundários acentuados, o que o levou a prosseguir esta via para tratar outros males.
Tornou-se a partir daí um autêntico mago da genética, sendo consultado por inúmeras empresas e particulares que basicamente lhe pediam quase sempre o impossível, mas que ele conseguia tornar possível em poucos meses. Entre alguns dos seus grandes sucessos, podiam contar-se o Iogurte para Obstipados, o Iogurte para Mulheres Sexualmente Insatisfeitas, o Iogurte para Carecas, o iogurte Revigorante para Homens, entre outros.
Todos estes produtos recorriam a estirpes geneticamente modificadas de bacilos que tinham sido “pensados” para solucionar problemas que atormentavam muitas pessoas. Fosse para fazer funcionar a tripa ou para fazer crescer o cabelo o princípio de funcionamento era sempre o mesmo, o bacilo actuava perante o mal diagnosticado e depois era facilmente eliminado pelo corpo humano pelas formas convencionais.
Ao fim de mais de 20 produtos deste tipo no mercado começou então a notar-se que havia um enorme aumento das intoxicações sanguíneas.
O Doutor Chase arranjou então um iogurte que chamou de iogurte Purificador e que basicamente fazia uma desintoxicação parcial do sangue. O grande problema eram os efeitos secundários deste último tipo de iogurte, queda de cabelo, obstipação, impotência sexual, aumento do apetite, etc.
Hoje em dia o Doutor Chase está reformado. Mudou de nome para evitar ser reconhecido pelas vítimas dos seus tratamentos.
Nunca mais quis saber de genética e dedicou-se à agricultura, biológica… claro!!!

Friday, May 29, 2009

Supervagabundo


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Não lhe parecia possível que aquilo lhe estivesse a acontecer. Ele, a quem toda a gente chamava o “supervagabundo” por causa do seu longo cabelo à “Rick Davies”, ele que tinha sempre uma resposta pronta na ponta da língua, ele que sabia sempre o que fazer e dizer.
Mas ali estava ele imóvel e calado, e quando sentiu a primeira passagem da mão dela pelo seu longo cabelo, arrepiou-se todo. Quando ela se aproximou um pouco mais e ele pôde sentir o cheiro da sua presença sentiu novo arrepio e largou um curto suspiro.
Nem parecia o mesmo homem que há 20 anos atrás tinha sido apanhado com uma groupie nos bastidores do espectáculo dos Supertramp. Quando questionado pelo Roger Hodgson sobre o que é que se estava a passar e perante a insistência da pobre rapariga que achava que acabava de ter relações com Rick Davies, ele respondeu apenas.
- Rick Davies?? Não!! Eu chamo-me Dick Davies e estou com os Supervamp.
Toda esta prosápia descomunal estava agora, “como que”… adormecida.
Ainda mais, agora que ela se tinha encostado a ele deixando-o sentir o volume das suas formas generosas de encontro ao seu ombro.
Ele ficou paralisado a apreciar a plenitude daquele momento de uma forma sensual, mas ao mesmo tempo receosa. É que na realidade ele tinha sempre muito medo do resultado final.
A meia hora que assim esteve passou demasiado depressa e no fim ela disse.
- Já está.
Ele sorriu, e respondeu
- Muito bom obrigado!
E pensou mais uma vez, como detestava adorar ir cortar o cabelo.

Thursday, May 07, 2009

O Azéotropo



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Apesar de ser eminentemente uma cadeira prática, Química Geral tinha tudo para ser um grande pincel. Sobretudo, porque enquanto a todos os outros meus colegas tinham saído trabalhos práticos bem fixes com muitas cores, pequenas explosões e outros divertimentos do tipo, a mim tinha-me saído uma seca chamada destilação. Não fosse a prof. que me tinha calhado como orientadora ser a coisa mais doce do mundo e este teria sido o período mais negro da minha vida de estudante. Em contrapartida, acabou por se revelar como um dos tempos mais interessantes e importantes daquilo a que eu chamo a minha vida.
O nome da professora que tudo me ensinou era Matilde, e tinha cabelos e olhos claros, os últimos do azul mais cor do mar que eu alguma vez tinha visto, o sorriso mais sereno e a voz mais sensual que eu alguma vez tinha ouvido. De resto era uma mulher madura, com um corpo banal (talvez um pouquito rechonchuda) e vestia de um modo juvenil. E tinha na realidade um comportamento também juvenil contrastando com os seus mais de 40 anos …na certa.
Quando me fui apresentar para começar a trabalhar senti logo que havia uma química muito especial entre nós. Com o passar do tempo a relação entre nós foi crescendo (talvez de um modo disparatado) e ela foi-me ensinando tudo o que eu precisava de saber sobre a “destilação”. Destilação era a nossa palavra de código para manifestarmos o desejo de estar um com o outro. Era comum, ela chegar ao laboratório e dizer – Anda… vamos destilar.
Foram tempos loucos e bons, a química que existia entre nós (esta era uma das frases favoritas dela porque na realidade o que nos tinha aproximado tinha sido a química) foi-nos fazendo aumentar a frequência e a intensidade com que “destilávamos”. Até um ponto em que já o fazíamos no gabinete dela (com outros professores no gabinete ao lado), por vezes “destilávamos” no armazém dos reagentes, enfim… a temperatura tinha subido de tal modo que basicamente ... destilávamos sempre.
No entanto, chegou um dia em que aprendi finalmente o que era um azéotropo. Tudo aconteceu após mais uma destilação em situação arriscada. Perguntei-lhe se íamos continuar a “destilar” assim para sempre.
Ela muito séria abanou a cabeça e disse-me – Não, porque temos aqui um azeótropo-
Perante a minha ignorância ela começou a explicar.
- Bom … é assim… eu tenho uma família. Chamemos-lhe o componente A da mistura. Durante muito tempo foi um componente puro, era só um e por isso não precisava de destilar. Depois apareceste tu, chamemos-lhe o componente B. Aí começou a confusão.
Começou também a destilação, só que … -seguiu ela muito séria- vocês formam um azéotropo e por isso eu tenho estado a destilar os 2, mas mais tarde ou mais cedo o componente que existe em menor quantidade vai esgotar, e aí… volto só a ter o componente que existe em maior quantidade.
Olhei para ela com a esperança que ela me dissesse que eu era o componente que não ia esgotar, mas ela continuou
-Olha… por exemplo, o Acetonitrilo e a água formam um azéotropo com uma constituição de 84% de acetonitrilo e 16% água. Tu és o acetronitrilo e o meu marido e a minha filha são a água e apesar de hoje em dia eu estar a destilar com 84% de acetonitrilo e apenas 16% de água, mais tarde ou mais cedo o acetonitrilo vai acabar e aí vai ficar só a água.
Nem acabei de ouvir a explicação toda. Desatei a correr para fora do laboratório e nunca mais lá voltei. Na realidade foi a última vez que destilámos provando que ela tinha razão. Eu acabei por chumbar à cadeira que tive que repetir no ano a seguir com o professor Xavier que era “expert” em corrosão química.
Hoje em dia penso algumas vezes que deveria ter tentado arranjar uma maneira de reduzir o teor em água na mistura, para que nunca se esgotasse o acetonitrilo antes de se esgotar a água, mas na realidade era um jogo no qual a minha probabilidade de sucesso era diminuta.

Wednesday, April 22, 2009

O Canto da Sereia




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Já várias vezes lhe tinham dito que mais tarde ou mais cedo ia ficar enfeitiçado.
Mas ele, não se preocupava nem um pouco e ia ter com ela todos os dias.
A sereia era bela, de formas voluptuosas e aos poucos ia-o deixando entrar cada vez mais no seu mundo. No seu mundo e não só.
Nesse dia ela decidiu deixá-lo entrar no seu jardim. Num daqueles cantos e recantos do seu corpo.
Foi também nesse dia que ele finalmente se apercebeu que estava encantado pelo canto da sereia. Pelo canto e pelo recanto.

Tuesday, March 24, 2009

Quantos queres???




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Encostado a uma parede, João esperava na fila para o centro de emprego. Esperava a sua vez para, uma vez mais, recorrer ao subsídio de desemprego.
Naquele instante saiu do centro de emprego um homem atarracado, careca e que parecia não tomar banho pelo menos há uma semana, que praguejava contra o governo
- É sempre a mesma treta. Este governo está a arruinar o país. E quem é o culpado?… É o Sócrates claro. Sim… Sim!!!
Ao passar por João interpelou-o perguntando-lhe se ele também tinha ficado desempregado recentemente. João anuiu com um tímido abanar de cabeça e o homem seguiu caminho começando a atravessar a estrada. Nem reparou num carro que circulava na estrada e que, não fosse a pronta actuação de João, o ia atropelar na certa.
Após praguejar mais uns minutos com o condutor do carro, que prosseguiu o seu caminho sem sequer dar importância ao caso, virou-se para João e agradecendo esticou-lhe uma folha de papel em branco e disse:
- Obrigado. A única coisa que lhe posso dar em sinal de agradecimento é esta folha de papel.
Perante a recusa de João em segurar a folha de papel, o homem disse:
- Não. Não me faça isso. É mágica… Aproveite-a bem… A solução está aí.
Quando João finalmente a aceitou, ele seguiu o seu caminho.
João voltou para o seu lugar e enquanto esperava a sua vez, começou a dobrar o papel de forma a fazer um "Quantos queres???" que tantas vezes tinha feito em criança. Cortou o quadrado necessário para o fazer (após ter dobrado e vincado com cuidado o papel e ter guardado o pequeno rectângulo que sobrara na capa que levava) e acabando a sua obra, decidiu escrever várias frases e símbolos de modo a recordar aquela brincadeira de criança.
Desenhou na parte de cima uma cruz, uma bola, um triângulo, uma estrela, um quadrado, uma nota musical, um cilindro e uma mão. Como não se lembrava do que havia de escrever no outro lado começou a pensar nalgumas palavras que o homem lhe tinha dito e foi escrevendo à medida que se lembrava.
“É sempre a mesma treta”
“É o Sócrates claro”
“Sim”
“Obrigado”
“Não”
“É mágica”
“Aproveite-a bem”
“A solução está aí”
Achando tudo aquilo extremamente divertido, mas ao mesmo tempo infantil, ali ficou a fazer o joguinho como uma criança.
- Quantos queres? – Perguntava ele a si mesmo
- Cinco – respondia de seguida.
– Um, dois, três, quatro e cinco – contava ele baixinho e depois perguntava de novo
- E agora? Queres mão, triângulo, estrela ou cilindro? – depois de ter escolhido, ria-se com o resultado e só para aí à décima vez é que reparou que algo errado ali se passava, uma vez que já tinha fixado que à nota musical correspondia o “sim” e agora tinha acabado de tirar uma nota musical que tinha como texto “Não me faça isso”
Muito espantado, abriu o pequeno contador para verificar o que se passava, mas entretanto tinha chegado a sua vez de ser atendido.
Enquanto a Srª do centro de emprego lhe ia fazendo perguntas, ele sem ligar, ia contando números e dizendo as frases que estavam associadas a cada uma das escolhas do símbolo, que ia fazendo para tentar perceber o que se passava.
Só quando ouviu a Srª dizer – Ok, o emprego é seu- é que se apercebeu que tinha estado a responder a todas as questões da dita mulher utilizando as frases do contador.
Sem saber muito bem como e começando a acreditar na magia do papel com que tinha feito o "Quantos Queres???", agradeceu e foi para casa preparar-se para se apresentar no local de trabalho.
Desde esse dia, para todas as decisões que tomava, João consultava o seu artefacto de papel “mágico”.
Profissionalmente o sucesso era enorme, já era agora assistente de realizador numa cadeia de televisão. Pessoalmente, também a sua vida tinha mudado muito casara com uma “pseudo-intelectual” de seu nome Maria, que o adorava e de quem tinha já 2 filhos… Alberto e Bernardo.
No dia em que ia finalmente apresentar o seu 1º documentário (completamente filmado e realizado por ele) tentou consultar mais uma vez o seu precioso "Quantos Queres???", para saber se deveria usar um fato e gravata azul e aparecer na estreia de um modo mais formal, ou se por contrário se deveria apresentar informalmente. No instante em que verificou que o seu velhíssimo e gasto "Quantos Queres???" se tinha desfeito na sua mão ao fazer a contagem… entrou em pânico.
- E agora? Pensou ele – O que fazer?
Acalmou-se um pouco bebendo um copo de água bem fria e decidiu vestir informalmente.
Ao chegar à festa de estreia começou logo a ouvir as críticas à sua escolha de roupa tão desadequada para uma ocasião tão importante. Tudo corria mal. A estreia foi um fracasso. Ele, talvez por causa do copo de água gelada, ou talvez mesmo por ter entrado em pânico com o rumo que as coisas estavam a tomar, vomitou todo o jantar para cima do anfitrião da festa.
Desde esse dia, tudo mas mesmo tudo piorou.
Profissionalmente começou uma fase descendente, que apenas terminou quando ficou novamente desempregado. No campo afectivo, Maria a sua dedicada companheira acabou por arranjar um amante, que sendo um homem muito mais velho lhe dava toda uma vivência que João não podia dar, muito menos agora nesta fase descendente da sua vida.
Finalmente, quando já tudo tinha chegado a um estado lastimável, João viu-se novamente na fila do centro de emprego com a velha pastinha na mão, lamentando-se por ter perdido o seu "Quantos Queres???" mágico.
Tendo-lhe sido recusado o subsídio de desemprego por terem sido detectadas uma série de irregularidades, João saiu do centro de emprego decidido a acabar com a sua própria raça. Procurando um papel, para escrever um bilhete de despedida, descobriu na sua velha capa o pedaço de papel mágico que tinha sobrado quando tinha feito o seu "Quantos Queres???" alguns anos atrás.
Começou então a escrever:
“A quem ler esta mensagem… Queria que tudo fosse diferente, queria ter um bom emprego, uma mulher que me amasse e não me enganasse com um velhadas qualquer, queria que os meus filhos me respeitassem, queria ser rico… enfim queria ser feliz... Agora só quero morrer”.
Ao ler alto o que tinha escrito no pedaço de papel, lágrimas corriam-lhe pela face e absorto na sua leitura, nem sequer reparou, mas… a Srª do centro de emprego estava à porta do edifício a chamá-lo para lhe dizer que afinal se tinha enganado no processo e que afinal existia uma vaga como assistente de realização na nova emissora que estava para abrir. Também não reparou que Maria tinha ido ter com ele naquele preciso momento, levando os seus 2 filhos e um monte de coisas bonitas para lhe dizer, porque afinal de contas o velhote já se tinha reformado e posto a andar e ela descobrira que afinal João era o homem da sua vida.
Também não reparou que o velhote que anos antes lhe tinha dado o papel, o procurava para lhe oferecer sociedade na sua mega-empresa de artigos mágicos.
Reparou apenas, que quando leu o pedaço final do seu bilhete sentiu uma sensação de felicidade e a seguir… Puff…mais nada.
O velhote careca e atarracado que agora não parecia precisar de banho, chegando ao pé do local onde João jazia morto, disse apenas:
- Bastava escreveres o que querias no papel, meu amigo… Foi assim que eu cheguei onde estou agora. Eu disse-te … a solução estava lá.

Tuesday, March 10, 2009

O Porquê das Coisas.




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Era mais ou menos por aquela hora que tudo acontecia… quando acontecia.
Quando o sol já tinha espraiado os seus raios luminosos e quentes por toda aquela quietude e melancolia branca da montanha nevada. Nessa altura, quando alguns dos apoios construídos pelo gelo frio que crescera durante a noite, se tinham já derretido e uma boa parte das árvores tinha já recuperado o porte altivo e orgulhoso perdido em função do peso da neve acumulado sobre os seus ramos, que os habitantes da pequena aldeia situada no sopé da montanha se recolhiam e rezavam para que não houvesse mais uma catástrofe.
Era também nessa altura que no cume da montanha o conde Von Broglio chamava as suas filhas. A mais velha Ava de seu nome, era mais obediente enquanto a mais nova Graça era uma verdadeira terrorista. Nesse dia como em todos os outros Von Broglio veio à janela da cozinha do castelo (que era a 2ª do lado este) e gritou bem alto.
- Ava… lanche!!!
Esperou um pouco e depois de Ava chegar à cozinha perguntou-lhe onde estava a sua irmã. Ava respondeu com um sorriso que significava que não fazia a mínima ideia onde estava Graça. Von Broglio começou a contar, ao mesmo tempo que se dirigia de novo para a janela:
- 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
Entretanto chegado à janela gritou bem alto
- dez… Graça!!!!
A miúda apareceu segundos depois e Von Broglio mais uma vez fez o reparo que ela devia chegar antes de ele chegar ao 10.
Cá em baixo os aldeões, ouviram as mesmas palavras de sempre “avalanche” e de seguida “desgraça” e com estas palavras veio a torrente de neve montanha abaixo soterrando uma parte da aldeia.
Após os trabalhos de remoção de neve que levaram cerca de 12 horas verificaram que mais 2 aldeões tinham morrido soterrados. Fizeram um funeral sumário e rápido e prepararam-se para a tarde a seguir rezando novamente ao seu Deus.
Era um Deus talvez pouco poderoso, uma vez que não conseguia protegê-los contra as quedas de neve, mas pelo menos era muito atencioso porque os alertava.
Desde esses tempos, sempre que algo mau ocorre, grita-se “desgraça” e se por acaso ocorre um deslizamento de neve montanha abaixo, logo se ouve gritar
- Avalanche… avalanche
E é este o porquê das coisas…

Tuesday, February 17, 2009

Os medos




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O pai chegou a casa orgulhoso, e sentando-se no chão da sala disse:
- Reunião de família… Reunião de família!
A miúda e a mãe vieram rapidamente sentar-se junto dele para ouvir as novidades, com uma curiosidade que não conseguiam esconder.
O pai começou então a explicar a sua ideia, que na realidade era uma pequena agenda de férias que tinha visto num jornal, nessa manhã e que com umas pequenas modificações tinha adaptado para eles.
- Sendo assim, nestas férias de carnaval vamos visitar alguns museus: 1º o museu do traje, segundo o museu da marioneta, 3º o museu da música, e para o fim os melhores, o museu do brinquedo e o museu das crianças.
A miúda ouviu a lista com cuidado e no fim, depois de ter absorvido toda aquela informação com os seus 5 anos de sabedoria, começou a chorar desesperadamente. O pai muito preocupado perguntou:
- O que foi pequerrucha? Não gostas da ideia?
Ela ainda a soluçar, mas com um ar muito compenetrado, perguntou:
- No museu do traje… vêem-se fatos velhinhos… não é?
O pai e a mãe responderam em uníssono com um “Sim”. Ela continuou,
- E no museu da marioneta vêem-se fantoches e marionetas antigos? Não é?
Após nova confirmação dos seus pais, ela terminou dizendo
- Então não quero ir ao último, porque músicas antigas eu ainda gosto de ouvir, brinquedos antigos vou de certeza gostar de ver, mas crianças velhinhas acho que deve ser aterrorizador.
Após esta breve explicação, desatou de novo a chorar.
Os pais fazendo um esforço para não desatarem a rir consolaram-na e explicaram-lhe calmamente tudo o que ela precisava de saber.
E essas foram as melhores férias de carnaval de sempre.

Friday, January 23, 2009

Fazer Estrelas

Esto va dedicado a una chica portuguesa que se queda en barcelona!!!


Download Biffy Clyro Folding Stars for free from pleer.com“Estudante deslocada em Barcelona, para bolsa de mestrado, precisa de alojamento em casa perto da universidade. Sou simpática, mas adoro ouvir música rock bem alto até altas horas da noite, quando estou chateada uivo à luz do luar. Naqueles dias do mês costumo esgatanhar sofás e cortinados com as unhas. O meu hobby favorito é fazer estrelas de papel.”
O pequeno anúncio tinha despertado a minha atenção não propriamente por causa de todas aquelas baboseiras que eram ditas, mas especificamente por causa do hobby. Eu próprio era um fã acérrimo do origami e adorava ver o que ela tinha para me mostrar de novo.
Respondi imediatamente ao e-mail e esperei o resultado, que chegou 5 minutos depois com a mensagem: “Sábado à tarde estarei aí!”
Até sábado tive todo o tempo do mundo para preparar o quarto de hóspedes para a nova moradora. Para isso tive que desalojar os 2 cães, 3 gatos e outros animais que pernoitavam habitualmente naquele quarto.
Sábado às 15h43m alguém tocava à minha campaínha. Não estava definitivamente preparado para a visita da nova inquilina. Não era propriamente um assombro de mulher, mas tinha toda uma mística gótica na maneira de vestir, de se maquilhar e até de olhar que me agradou muito. E apesar de parecer um pouco uma fadinha, era sem sombra de dúvida uma mulher interessante.
Fomos desenvolvendo uma grande amizade, mas desde cedo confirmei que todas aquelas tolices que estavam escritas no anúncio não eram nada mais do que precisamente tolices, uma vez que ela levava uma existência pacata, sem uivos, sem música alta e os cortinados e sofá que estavam no quarto continuavam intactos. Havia apenas uma parte do anúncio que ainda permanecia um mistério e que se prendia com o origami. Todos os dias a seguir ao jantar ela subia para o seu quarto e dizia “Now I will be folding stars, so see you tomorrow”. Após este breve adeus, subia e ouviam-se durante uns 20 minutos uns ruídos estranhos. Soavam vozes e a televisão exibia sempre uma interferência intensa perdendo a imagem.
Ao fim da 2ª semana já tinha conseguido que me explicasse como fazia as suas estrelas de papel. Tinha uma técnica impressionante, e as estrelas feitas por ela pareciam ter um brilho especial, mesmo quando feitas a partir de um qualquer papel velho que encontrasse.
Um dia disse-me que era uma fada das estrelas e perguntou-me se queria ir fazer estrelas de papel com ela. Claro que aceitei
E nesse dia aprendi tudo sobre fazer estrelas de papel...mas não só. Aprendi a dar-lhes o brilho necessário para brilharem à noite, aprendi a acendê-las e mandá-las para o céu. E sentado no parapeito da janela (com as pernas viradas para fora da janela) aprendia a contar todas as estrelas e falar com cada uma delas. Senti-me verdadeiramente nas estrelas.
O anúncio que aparecia no jornal dizia :
“Estudante deslocado em Liverpool, para bolsa de mestrado, precisa de alojamento em casa perto da universidade. Sou simpático, mas adoro ouvir música bem alto até altas horas da noite. Rabujo por tudo e por nada. Após uma boa noite de sexo gosto de uivar à luz do luar e costumo deixar sempre a casa de banho suja após tomar banho. O meu hobby favorito é fazer estrelas de papel.”
A jovem que o leu, não pôde deixar de sorrir. Decidida, anotou o e-mail para onde deveria enviar a confirmação de que estava disposta a alugar um quarto da sua casa àquele maluco

Wednesday, January 21, 2009

É só uma questão de boa educação.


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Com delicadeza, o homem repetiu o agradecimento:
- Muito obrigado por fazer este serviço por mim!
De novo, sem resposta, e relembrando as regras de boa educação que a sua querida mãe lhe tinha incutido repetiu mais uma vez,
- Muito obrigado. Ajuda-me bastante!
Como não ouviu resposta nenhuma, começou a fechar a porta com suavidade mas uma vez mais, e antes de a fechar completamente, tentou um último agradecimento dizendo lá para dentro
- Muito obrigado.
O silêncio foi quebrado apenas pelo “click” que a porta fez ao fechar-se.
Irritado, disse bem alto
- És muito mal-educada Candy.
Dito isto, rodou o botão e ligou a máquina de lavar roupa no programa 2.

Wednesday, January 14, 2009

Um último mergulho




Via-se pelas feições que a mulher que estava a falar, devia ter sido muito atraente quando nova. Com uma voz doce e melodiosa perguntou – “O que queres em troca?”
Pedro respondeu prontamente – “Um último mergulho”
A mulher abanou a cabeça em sinal de negação ao mesmo tempo que lhe dizia que isso não podia ser.
Ele insistiu – Vá lá… um último mergulho.
Ela momentaneamente reviu toda uma vida e todos os acontecimentos que os tinham trazido até ali.
O modo como Pedro se tinha iniciado na arte de pescador de pérolas quando para a salvar de um afogamento certo mergulhou e permaneceu debaixo de água por mais de 2 minutos até conseguir avistar o corpo dela. Com esta descoberta veio a noção de que poderia mergulhar e suster a respiração durante tempo suficiente para apanhar as tão desejadas pérolas.
Recordou como depois, a saúde de Pedro se tinha degradado com os longos períodos de apneia, e o modo como as descompressões mal feitas tinham resultado num estado de semi-senilidade.
Recordou também o dia em que lhe foi negado definitivamente o direito de mergulhar após o “enésimo” mergulho em que teimava ter visto uma sereia no fundo do mar e tentava a todo o custo que quem com ele mergulhava ficasse lá em baixo à espera para ver a sereia.
A alucinação recorrente foi ignorada durante algum tempo porque Pedro era sem sombra de dúvida o melhor pescador de pérolas da região. Mas após alguns sustos que os outros pescadores apanharam, quando Pedro os agarrava e tentava manter debaixo de água para que pudessem ver a sereia, foi proibido de mergulhar.
E recordava um passado bem recente em que apenas ela visitava Pedro e ficava com ele ajudando nas tarefas do dia a dia. Ele em sinal de agradecimento fazia questão de lhe dar pequenas pérolas, quase sem valor, que se encontravam espalhadas por toda a cabana.
Nesse dia cedeu. Não sabia muito bem porquê.
Seria pelo brilho no olhar de Pedro ? Seria pela melodia que ele entoara enquanto ela lhe fazia a cama? Seria pelo abraço apertado que ele lhe dera? Seria pelo beijo ardente que só ele sabia dar? Ou seria apenas porque já estava cansada de todos os dias o ouvir pedir que o ajudasse a realizar o seu último desejo de mergulhar? O que quer que fosse… foi. E ela cedeu.
Por isso, nesse dia combinou com Pedro que ao entardecer iria com ele até à praia e que mergulharia com ele. Teria que ser um mergulho curto e não muito profundo porque ela não tinha a mesma capacidade de reter a respiração que ele (que apesar de já estar muito debilitado, era ainda capaz de estar pelo menos 1 minuto sem respirar).
À hora combinada subiram os dois para a rocha mais afastada da praia, local de onde Pedro se costumava lançar quando ia pescar pérolas. Saltaram e mergulharam na água fria.
Pedro levou-a a ver o seu local favorito debaixo de água, nadando entre plantas aquáticas e corais. Finalmente quando se apercebeu que estava a chegar a altura em que deveriam sair da água (cerca de 1 minuto) fez-lhe sinal com o polegar indicando que deveriam começar a subida para a superfície.
Quando olhou para Pedro com o polegar esticado indicando a superfície, ela não o viu a ele, mas viu um ser esbelto, com tronco de homem e cauda de peixe que lhe sorria, um tritão… e foi ela que o agarrou e o puxou para baixo para poder ficar com ele.