Friday, February 06, 2015

A luz do meu pai


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E zás … esta era a última pincelada no meu mais recente quadro. O tema … bem, o tema era o mesmo de sempre: “as cores”. Tudo se resumia às cores. As cores das coisas, como eram diferentes por causa da luz, e da maneira como nós as víamos e percepcionávamos.
Lembrava-me sempre do dia que tinha influenciado tudo o que eu era, e sou. A razão da minha incessante busca das cores e da luz perfeita. Influenciara a mim e aos meus irmãos, que apesar de não o admitirem com a mesma frontalidade que eu, sabiam muito bem que tudo começara ali.
Naquele dia, devia eu ter para aí uns dez anos, numa das muitas viagens de carro que fazia com o meu pai e irmãos, decidi perguntar ao meu pai uma coisa que me andava a preocupar há muito tempo, e que a escola em vez de esclarecer, parecia ter vindo complicar ainda mais o pouco que eu percebia do assunto.
- Pai - comecei eu - o preto é a ausência de cor, não é?
Ele calmamente, respondeu que sim, e eu continuei:
- Então quando não há luz, as coisas perdem a cor, não é?
Nessa altura, ele sorriu com aquele sorriso enigmático e começou a responder:
- Bom, filhota, as coisas não perdem a cor no escuro, apenas não as consegues ver.
- Então quando se liga a luz voltam a ter cor? - perguntei eu.
- Não fofita, elas nunca deixaram de ter cor, nós é que não a vemos porque não há luz. É um bocado como acreditar em Deus, acreditas apesar de não o veres - disse ele sorrindo.
Mas eu ainda não estava convencida, e as dúvidas acumulavam-se. Perguntei então:
- Como é que tu sabes isso?
Calmamente, ele disse:
- Bom, as cores que nós vemos são o resultado da maneira como os nossos olhos captam as radiações que os objectos reflectem quando uma luz incide sobre eles. Sendo assim, se não houver luz, os nossos olhos não podem captar nada porque os objectos não reflectem nada. Isso não quer dizer que o objecto deixe de ter cor. Quando a explicação do meu pai ficou mais séria e científica, o meu irmão mais velho (que era doido por tudo o que fosse ciência) ficou logo atento e perguntou:
- Então se nós pudéssemos ver no escuro as coisas tinham cor?
Nessa altura, o pai sorriu ainda mais e disse:
- Boa, deste-me uma boa ideia para explicar este assunto. Imaginem que em vez de vermos um objecto que à luz do sol reflecte a cor vermelha, com luz do sol a incidir sobre ele, o víamos com uma luz verde a incidir sobre ele. Acham que íamos ver a mesma cor? A nossa resposta foi imediata.
- Claro que não, pai!
- Pois, é por isso mesmo … é que a maneira como o objecto reflecte depende da luz que incide sobre ele.
Nessa altura, a conversa tinha-se tornado demasiado técnica para mim e desesperada comentei:
- É mesmo preciso acreditar, porque me parece tudo muito esquisito. Então o meu irmão mais novo, refez a pergunta que eu tinha feito.
- Então papá, como é que todos os dias quando volta a luz, nós vemos coisas com cores?
O meu pai respondeu instantaneamente, sorrindo:
- Olha pequerrucho, acho que tu não consegues perceber pela ciência, não consegues acreditar em algo que não vês, portanto vou ter que te dizer a verdade só a ti. E piscando o olho para mim e para o meu irmão mais velho, disse:
- Todos os dias antes de se levantarem, eu pinto tudo outra vez, para não viverem um único dia num mundo sem cor, porque gosto muito de vocês. Calámo-nos todos e ficámos a olhar para ele com admiração e nunca mais este assunto foi tocado.
O meu irmão mais velho é hoje em dia um físico de renome, estuda os fenómenos da reflexão e refracção da luz. O meu irmão mais novo, tornou-se escritor, é o autor de vários romances best-sellers em que reflecte sobre o acreditarmos em algo que não vemos. E eu, bem… eu pinto, e todos os dias tento pintar de novo todas as cores como o meu pai disse que fazia por nós. Espero que o meu pai goste deste quadro que acabei de pintar agora mesmo e que se chama “A luz do meu pai” e, de onde quer que ele esteja, possa dizer-me se vi a cor com os mesmos olhos que ele e sob o efeito da mesma luz, a luz do meu pai.