Friday, July 31, 2009

A Noite caíu




Listen or download Radiohead No surprises for free on Pleer

Recostei-me na cadeira e comecei a sonhar acordado. Aos poucos fui adormecendo e comecei a sonhar com a noite anterior. Parecia-me sentir o seu longo cabelo castanho a deslizar nas mãos e o aroma dela a entrar pelas narinas, até que… um grande barulho lá fora na rua, me fez despertar.
Corri para a janela e quando a abri constatei que lá fora a noite tinha caído.

Monday, July 13, 2009

Perfeito Coração




Listen or download Amalia Hoje Gaivota for free on Pleer

Enquanto esperava pelo tão desejado comboio, ia ouvindo a gravação com a voz de mulher repetir vezes sem conta “O Comboio suburbano com destino a …” e logo de seguida uma outra gravação com uma voz masculina que acrescentava “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância de segurança”.
Finalmente, ao fim de mais de 40 minutos à espera, ouvi anunciar a chegada do comboio pelo qual esperara toda a noite.
Entrei... e lá estava ela sentada no lugar que tínhamos combinado, na carruagem que tínhamos combinado. Olhou para mim, sorriu e fez um olhar apreensivo apontando em direcção às luzes da carruagem que se encontravam quase todas apagadas. Só nessa altura reparei que de facto a carruagem estava quase às escuras.
Sentei-me ao lado dela enquanto as portas do comboio se fechavam. Estávamos sozinhos na carruagem e ela deu-me a mão e começou a falar-me sobre a viagem de comboio e o medo que tinha sentido porque vinha no escuro.
Depois tudo começou a acontecer tão rapidamente que me parecia um sonho.
Ela pegou-me na mão e encostou-a no seu peito. Senti o volume do seu seio redondo, carnudo e pensei que devia estar a chegar ao céu, ela entretanto disse-me baixinho
- Sente só como bate o meu coração
A mim apenas me ocorreram aqueles versos de Alexandre O’Neill,

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração

que declamei sem grande jeito, mas com muita convicção. A convicção de alguém que sentia que dois corações batiam no seu próprio peito.
Ela inclinou um pouco mais a sua cara na minha direcção e…
O aroma que sentia agora que as nossas caras, as nossas bocas e lábios se aproximavam era divinal. Ela cheirava a canela, cheirava a flores… sei lá eu… cheirava tão bem… cheirava a ela. E quando os nossos lábios se estavam quase quase a tocar, quando o ar que eu inspirava era já o ar que ela expirava… Apareceu o “pica”.
Com uma falta de tacto do tamanho do próprio comboio, interrompeu-nos dizendo
- Os bilhetes por favor!!!
Estava tudo lixado. Aquele palhaço tinha dado cabo de um momento perfeito.
Ainda por cima devia estar a gozar o prato e depois de ter inspeccionado os nossos bilhetes sentou-se no banco mesmo à frente de nós.
Sorria com um ar de gozo, e com notório prazer verificou que tinha conseguido acabar com o momento. Depois disse
- E os senhores vão para??
Completamente fora de mim respondi
- Olhe!!! Eu estava a caminho do céu e só esperava que o Sr. fosse para o lado oposto.
O “Pica” de seu nome Jorge Reis, começou a fazer um grande discurso sobre a educação, a juventude e tudo o resto, e ali se foi deixando ficar até chegar o nosso destino. Ou melhor o dela, que saía primeiro que eu e que se despediu de mim com um singelo beijo na cara dizendo até amanhã.
E eu ainda gramei com o Sr. J. Reis até à estação de Entre Campos que era o meu destino. Ali me deixei ficar sentado apático e a pensar no meu azar. Durante os 10 minutos que ali fiquei sentado, ouvi novamente a gravação da voz feminina e masculina pelos menos umas 6 vezes. Era mesmo chata aquela porcaria. Pensei que ainda mais chato e ruim tinha sido o “Pica” que me tinha lixado. Isto não podia ficar assim.
Fui para casa, liguei-me à internet e comecei a pesquisar. Ao fim de 2 horas já estava a acabar o que era preciso para me vingar em pleno.
No dia a seguir quando me dirigia a correr para apanhar o comboio, via todos os que saíam da estação a rirem-se ou pelo menos sorrirem e percebi que o meu estratagema funcionara. Tinha dado trabalho, mas segundo pude apurar depois, até nas noticias tinha sido comentado que um “hacker” qualquer tinha conseguido entrar no sistema informático da CP e tinha substituído a mensagem de aviso de cuidado com as distâncias nas entradas para o comboio por uma bastante mais original.
Sorri ao entrar na estação, e em vez de ouvir a voz monocórdica do homem a repetir vezes sem conta “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância de segurança” ouvia agora dizer numa voz que não reconhecia (porque a nossa voz nunca nos soa igual quando a gravamos) “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância ao revisor Jorge Reis. Caso ele se encontre na carruagem fuja o mais rapidamente possível”.
Só por volta das 16h30 é que conseguiram voltar a repor a gravação original.

Duas perguntas ficaram ainda por responder: 1ª Deviam pagar a um homem para estar a repetir “Na entrada para os comboios é favor respeitar a distância de segurança” durante o dia inteiro, ou é preferível utilizar uma gravação? 2ª Afinal porque é que a canção se chama "Gaivota"?

Saturday, July 04, 2009

À espera




Listen or download Rooney I'm A Terrible Person for free on Pleer

João Louro não era um homem muito apreciado pelos seus colegas, e por isso, ninguém ligou muito quando ele chegou um dia ao local de trabalho com uma pose altiva e orgulhosa, exibindo um papel enrolado na sua mão.
A “alto e bom som” apregoou perante os colegas que tinha finalmente conseguido (ao fim de mais de 20 anos a trabalhar como um mouro sem tirar férias nem nada) comprar o terreno mesmo em frente à fábrica onde trabalhavam e ali iria construir a sua nova casa.
A opinião generalizada era que ele era louco, pois enquanto toda a gente se tentava afastar dali e aproveitava cada dia de férias como uma bênção divina, João passava os seus dias na fábrica a trabalhar ignorando os comentários sarcásticos dos colegas que rindo lhe diziam:
- Quando estiver sentadinho na minha cadeira lá em casa a beber um belo café e a fumar um cigarro, vou-me lembrar de ti João e vou pensar … coitadinho do Louro! Tem que ir trabalhar!
João não dava importância aos comentários e sorria…
Os anos seguintes foram (ainda mais) árduos para ele porque a construção foi sofrendo atrasos sucessivos, e todos os imprevistos que se possam imaginar… aconteceram!
Desde a descoberta de umas ossadas de dinossauro nas imediações do seu terreno, que obrigaram à paragem das obras de construção da sua casa até se ter confirmado que os limites do seu terreno não conflituavam com os limites do achado arqueológico, até à descoberta de um antigo depósito de resíduos radioactivos (provavelmente da fábrica onde trabalhava) que obrigou a uma série de inspecções para garantir que os níveis de radioactividade estavam dentro dos limites aceitáveis tudo foi contribuindo para o atraso da construção da casa. Mesmo assim João não parecia muito preocupado, argumentando sempre que, apenas queria aquela casa para quando se aposentasse (o que aliás era já num futuro bem próximo).
Finalmente, chegado o dia da sua aposentação, João estreou também a sua nova casa.
Desde esse dia, era possível vê-lo diariamente às 8 horas da manhã sentado na varanda da sua casa a beber um café e a fumar um cigarro, exibindo um sorriso de orelha a orelha.
Acenava para cada um dos colegas que entrava e quem se conseguisse aproximar um pouco mais poderia até ouvi-lo dizer:
- Coitadinho do Costa! Tem que ir trabalhar!
- Coitadinho do Soares! Tem que ir trabalhar!
- Coitadinho do Mendes! Tem que ir trabalhar!
- Coitadinho do ...