Thursday, September 25, 2008
Na Rádio (parte 4)
O resultado era francamente mau, aliás como Latva já esperava.
Fez mais algumas tentativas até ter que ir para a rádio e mesmo antes de sair pediu à sua companheira para ouvir o que ele tinha feito, dizendo-lhe no entanto que tinha aparecido um 2ºCD e que aquela era a 1º faixa.
Esperou pela sua opinião e o que ouviu foi a pior notícia dos últimos tempos, a companheira de Latva disse, sem sequer levar muito tempo para pensar na resposta.
- Este está muito, mas mesmo muito, pior. Nem parece feito pela mesma pessoa. Eu se fosse a ti não passava isto.
Latva saiu destroçado a caminho da rádio. Tinha apenas mais 3 dias até ter que arranjar um CD pelo menos tão bom como o 1º, ou pelo menos não tão mau como aquilo que ele estava a conseguir fazer.
Durante o seu programa foi avisando exaustivamente que precisava de mais um CD porque havia um programa já daí a 3 dias. Na esperança que a pessoa que fizera o 1º se desse a conhecer apresentando outro, e ao mesmo tempo tentando manter o mistério à volta daquele programa.
Nessa noite nem conseguiu dormir bem com pesadelos sobre o CD misterioso e no dia seguinte quando foi chamado ao estúdio para gravar e ouvir a versão dos Xutos para o anúncio do programa surpresa, nem sequer conseguiu apreciar convenientemente o que era estar ao pé daqueles bacanos. Nem sequer uma única conversazita teve com o Cabeleira que era sempre o mais expansivo, ao contrário do que as pessoas pensavam.
Finalmente chegou o dia (ou melhor dizendo) a noite em que o "Conta-me histórias daquilo que eu não ouvi" ia para o ar.
Desesperado encaminhou-se para o estúdio com uma série de material muito fraco que tinha vindo a tentar fazer e reunir, mas estava já perfeitamente decidido a terminar com aquela farsa toda.
Quando se sentou à mesa e pôs os auscultadores para dar uma última passagem no seu CD reparou no entanto que existia um CD em cima da mesa. Exaltado e excitado como uma criança pequena tirou-o com dificuldade da caixa colocou-o no leitor e começou a ouvir o "Always with me always with you" do Satriani, mas não ouviu voz nenhuma, fez avançar a velocidade dupla para a 2ª faixa e mesmo no fim... felizmente... lá estava um pequeno texto muito engraçado que contava como teria sido a entrada do Satriani no mundo da música. Espectáculo... nem esperou mais ... chegada a hora, pôs o CD a rolar e nem se preocupou com o que vinha a seguir. Ficou apenas deleitado a ouvir.
Estava salvo. Até quando??
Estava a ficar muito cansado fisicamente e psicológicamente. Não era propriamente cansado de ouvir aqueles CD's, muito pelo contrário. Estava era a ficar cansado de estar dependente de algo que ele não controlava.
Que bom que é dar as mãos
Estavam a tentar recuperar um velho hábito perdido, com o decorrer dos anos.
Não sabiam muito bem porquê! Talvez o nascimento da filha tivesse acelerado o processo, uma vez que as mãos eram habitualmente ocupadas com a pequenita nessa altura.
Mas de há uns dias a esta parte ela manifestava o desejo de sairem juntos outra vez de mãos dadas. Ele era sempre mais renitente... não via necessidade nenhuma nisso e tinha sempre receio de as coisas não resultarem bem.
Depois de várias tentativas dela de agarrar a mão dele, conseguiu finalmente que ele lhe desse a mão. Foi muito bom pareciam emaranhados um no outro.
Passado uns metros entraram numa pequena pastelaria para beber um café. Encostando-se ao balcão começaram então a tentar desembaralhar as mãos.
Ele puxando a sua prótese feita em titânio, ela puxando a sua prótese feita em plástico rígido, mas ambos com grande dificuldade em conseguir separar as mãos.
Ao fim de pouco mais de um minuto conseguiram desembrulhar as mãos e beberam pacificamente o café.
À volta para casa, não deram as mãos.
Monday, September 22, 2008
Nomes
Júlio Bey Ting, filho de emigrantes chineses em Portugal cedo revelou as suas aptidões para inventar. Cedo começou a construir (com LEGO) torres, carros, etc, revelando sempre um toque de originalidade e criatividade que o seu pai Kim Ofar Ting e a sua mãe Mayo Bey consideravam excepcional.
Aos 16 anos já Júlio estava a entrar para a faculdade, tendo vivido sempre a existência de um sobredotado. A universidade técnica de Santa Comba Dão ficou profundamente agradecida pela escolha feita por Bey Ting que completou o seu curso e mestrado nessa universidade.
Rapidamente enveredou por uma carreira de investigação, sobretudo ligada às energias renováveis. O Doutoramento era o passo a seguir, passo esse que ele almejava alcançar muito rapidamente.
Os grandes problemas surgiram nesta altura, altura em que o jovem Bey Ting despertou para os prazeres da vida tornando a sua existência pacata, serena e dedicada ao estudo dos colectores solares, numa existência de luxúria e pecado guiado pela mão da sua namorada Penny Tray (ou Pen como gostava que a tratassem) uma colega de faculdade filha de pais Americanos.
Também nessa altura começaram os grandes problemas do jovem Bey Ting quando o reconhecimento internacional o levou a visitar diferentes países onde invariavelmente o modo como era apresentado era no mínimo constrangedor.
A primeira percepção que teve deste facto foi na universidade do Arkansas onde o organizador da conferência onde Bey Ting ia falar sobre colectores solares começou por dizer:
"And now Ladies and Gentlemen we are proud to have here with us the one and only Master Bey Ting"
O pobre homem já nem conseguiu acabar de fazer a apresentação pois as risadas eram tantas que a conferência acabou por ser adiada.
A partir daí o jovem Bey Ting teve mais uma série de más experiências do mesmo tipo e decidiu por isso terminar rapidamente o seu doutoramento, sem pensar em nada mais deixando tudo o resto para 2º plano.
Hoje em dia todos os problemas estão resolvidos uma vez que quando é apresentado, o Doctor Bey Ting já não é recebido com uma risada geral, mas sim com uma salva de aplausos para um "expert" no assunto.
Mal está a sua ex-namorada (hoje em dia já esposa) que se formou em economia e trabalha como consultora de aplicações financeiras numa empresa luso-americana. Exerce as suas funções num gabinete onde se pode ler na porta
Pen Tray Ting - Your asset is our business
Aos 16 anos já Júlio estava a entrar para a faculdade, tendo vivido sempre a existência de um sobredotado. A universidade técnica de Santa Comba Dão ficou profundamente agradecida pela escolha feita por Bey Ting que completou o seu curso e mestrado nessa universidade.
Rapidamente enveredou por uma carreira de investigação, sobretudo ligada às energias renováveis. O Doutoramento era o passo a seguir, passo esse que ele almejava alcançar muito rapidamente.
Os grandes problemas surgiram nesta altura, altura em que o jovem Bey Ting despertou para os prazeres da vida tornando a sua existência pacata, serena e dedicada ao estudo dos colectores solares, numa existência de luxúria e pecado guiado pela mão da sua namorada Penny Tray (ou Pen como gostava que a tratassem) uma colega de faculdade filha de pais Americanos.
Também nessa altura começaram os grandes problemas do jovem Bey Ting quando o reconhecimento internacional o levou a visitar diferentes países onde invariavelmente o modo como era apresentado era no mínimo constrangedor.
A primeira percepção que teve deste facto foi na universidade do Arkansas onde o organizador da conferência onde Bey Ting ia falar sobre colectores solares começou por dizer:
"And now Ladies and Gentlemen we are proud to have here with us the one and only Master Bey Ting"
O pobre homem já nem conseguiu acabar de fazer a apresentação pois as risadas eram tantas que a conferência acabou por ser adiada.
A partir daí o jovem Bey Ting teve mais uma série de más experiências do mesmo tipo e decidiu por isso terminar rapidamente o seu doutoramento, sem pensar em nada mais deixando tudo o resto para 2º plano.
Hoje em dia todos os problemas estão resolvidos uma vez que quando é apresentado, o Doctor Bey Ting já não é recebido com uma risada geral, mas sim com uma salva de aplausos para um "expert" no assunto.
Mal está a sua ex-namorada (hoje em dia já esposa) que se formou em economia e trabalha como consultora de aplicações financeiras numa empresa luso-americana. Exerce as suas funções num gabinete onde se pode ler na porta
Pen Tray Ting - Your asset is our business
Thursday, September 18, 2008
A cura
Ramalho era um homem atormentado por um vício. Adorava café e chegava a beber 5 ou 6 por dia.
Um dia experimentou, por brincadeira, fumar um cigarro naquilo que vulgarmente chamamos de fumar socialmente. Era só para acompanhar uma série de amigos que estavam todos a fumar, e vai daí ...
Foi no entanto um erro fatal. Aquele cigarro soube-lhe muito bem, soube-lhe muito melhor do que os cafés todos do mundo. Não que tivesse deixado de gostar de beber café, mas o cigarro era uma experiência muito interessante.
Tinha muitas vantagens sobre o café: o fumar um cigarro era mais intenso porque implicava puxar o fumo como se estivesse a beijar a boca de uma mulher, o cigarro segurava-se entre os dedos e sentia-se um calor intenso quando estava a chegar ao fim, o cigarro estava sempre disponível enquanto o café exigia a existência de um sítio onde o beber, o fumar um cigarro dava-lhe mais liberdade porque podia ficar seguro na boca, o café exigia que as mãos segurassem a chávena e isso implicava uma menor liberdade de movimentos. Pensando bem, o cigarro era realmente mais interessante e por isso, Ramalho começou a deixar de beber tantos cafés e começou a fumar bastante mais vezes.
Passado algum tempo e umas idas ao médico, verificou que este seu novo vício estava a dar cabo da sua saúde e o médico avisou-o que a conjugação destes dois hábitos potenciava a ocorrência de problemas, por isso tentou deixar de fumar.
As 2 primerias tentativas foram goradas, mas à terceira vez ficou curado.
Com a preciosa ajuda de uma amiga, que o alertou para quem na realidade usufruia com o vicio dele, que se deu ao trabalho de pegar sorrateiramente no maço de cigarros de Ramalho e se entreteve a escrever em cada um dos cigarros frases do tipo:
"estás a contribuir para as férias do 1º ministro na Suiça"
"o estado ganha mais com este cigarro... do que tu"
"boa!! o ministro das obras públicas já pode comprar um carro novo"
"mais uns cêntimos para pagar o telemovel do ministro da economia"
conseguiu finalmente deixar de fumar.
A ideia de utilizar o ódio visceral que Ramalho tinha pelos políticos em geral e pelo presente executivo em especial tinha funcionado impecavelmente.
Hoje em dia não fuma (nem sequer fala sobre essa fase da sua vida) e continua a beber o seu café. Diga-se de passagem que se calhar até bebe mais café, porque com o que aprendeu durante aqueles meses todos a fumar, descobriu mil e uma maneiras de tornar o prazer de beber um café mais intenso e melhor. Por exemplo, adicionando natas, mexendo o café com um pau de canela, enfim... imaginação não falta.
De qualquer modo, como se costuma dizer, não é a quantidade que conta mas sim a qualidade...
Um dia experimentou, por brincadeira, fumar um cigarro naquilo que vulgarmente chamamos de fumar socialmente. Era só para acompanhar uma série de amigos que estavam todos a fumar, e vai daí ...
Foi no entanto um erro fatal. Aquele cigarro soube-lhe muito bem, soube-lhe muito melhor do que os cafés todos do mundo. Não que tivesse deixado de gostar de beber café, mas o cigarro era uma experiência muito interessante.
Tinha muitas vantagens sobre o café: o fumar um cigarro era mais intenso porque implicava puxar o fumo como se estivesse a beijar a boca de uma mulher, o cigarro segurava-se entre os dedos e sentia-se um calor intenso quando estava a chegar ao fim, o cigarro estava sempre disponível enquanto o café exigia a existência de um sítio onde o beber, o fumar um cigarro dava-lhe mais liberdade porque podia ficar seguro na boca, o café exigia que as mãos segurassem a chávena e isso implicava uma menor liberdade de movimentos. Pensando bem, o cigarro era realmente mais interessante e por isso, Ramalho começou a deixar de beber tantos cafés e começou a fumar bastante mais vezes.
Passado algum tempo e umas idas ao médico, verificou que este seu novo vício estava a dar cabo da sua saúde e o médico avisou-o que a conjugação destes dois hábitos potenciava a ocorrência de problemas, por isso tentou deixar de fumar.
As 2 primerias tentativas foram goradas, mas à terceira vez ficou curado.
Com a preciosa ajuda de uma amiga, que o alertou para quem na realidade usufruia com o vicio dele, que se deu ao trabalho de pegar sorrateiramente no maço de cigarros de Ramalho e se entreteve a escrever em cada um dos cigarros frases do tipo:
"estás a contribuir para as férias do 1º ministro na Suiça"
"o estado ganha mais com este cigarro... do que tu"
"boa!! o ministro das obras públicas já pode comprar um carro novo"
"mais uns cêntimos para pagar o telemovel do ministro da economia"
conseguiu finalmente deixar de fumar.
A ideia de utilizar o ódio visceral que Ramalho tinha pelos políticos em geral e pelo presente executivo em especial tinha funcionado impecavelmente.
Hoje em dia não fuma (nem sequer fala sobre essa fase da sua vida) e continua a beber o seu café. Diga-se de passagem que se calhar até bebe mais café, porque com o que aprendeu durante aqueles meses todos a fumar, descobriu mil e uma maneiras de tornar o prazer de beber um café mais intenso e melhor. Por exemplo, adicionando natas, mexendo o café com um pau de canela, enfim... imaginação não falta.
De qualquer modo, como se costuma dizer, não é a quantidade que conta mas sim a qualidade...
Pára Bens
Mais uma vez Maria gritou, -"mas eu estou parada... não estou a fazer nada"
Passados segundos ouvia uma nova voz repetir "Pára Bens" e ela retorquia irritadissima - " mas eu... estou...parada"
Ao mesmo tempo que tudo isto se passava pensava na pouca sorte que tinha em ter o nome que tinha ... Maria dos Bens... ele há coisas...
Já tinha ouvido falar de Maria das Dores, Maria dos Alívios, Maria dos Remédios, mas Maria dos Bens!!! Era realmente o cúmulo e ainda por cima o facto de todos os colegas a tratarem carinhosamente por Bens tornava tudo muito mais chato.
Mais uma vez ouviu uma voz conhecida dizer "Pára Bens" e decidida a acabar com esta parvoíce levantou-se.
Levantou-se mesmo a tempo de ouvir mais uma vez outro dos seus entes queridos dizer-lhe Parabéns. Abriu os olhos até aí semi-cerrados pelo facto de ainda estar a dormir e viu-os a todos. A avó , o avô, a irmã, os primos, os tios, alguns dos grandes amigos e até os cães e gatos. Um por um ali os viu a todos à beira da cama a dizer-lhe Parabéns...
Levantou-se e com o jeito que lhe é tão característico derrubou para o chão o bolo que a irmã criteriosamente tinha colocado na ponta da cama, colhendo uma risada geral.
Bela maneira de começar o dia do nosso aniversário.. pensou, mas depois, pensou e pensou e pensou e chegou à conclusão que era mesmo uma boa maneira de começar o dia de anos... com todos aqueles de quem gostava e que gostavam dela junto a si.
Wednesday, September 17, 2008
A dormir em serviço!!!
As cerca de 120 pessoas que se encontravam no anfiteatro AM1 a assistir ao seminário "Diagnóstico médico em situações limite", ficaram boqueabertas com o "quase" grito que ouviram - "Herpes", surgido algures de uma das últimas filas.
O orador, o conceituadíssimo Dr. Seymour O-Fiu, reagiu perante a resposta que tinha sido "gritada" face à sua pergunta dizendo - Por favor levante-se e repita o que disse.
O visado, um aluno do 4º ano de medicina daquela universidade, estava ainda a levantar-se com a ajuda de um colega e aparentava ter acabado de acordar. Na audiência toda começou a ouvir-se um murmurio "é o Soneca... é o Soneca".
O rapaz repetiu então, com um ar já desperto, "Herpes Simplex tipo 1" o que causou uma enorme gargalhada na assistência que não estava a ver como é que aquele maluco conseguia relacionar uma garganta inflamada, febre, tonturas, alterações comportamentais, paralisia e alucinações e finalmente a morte de um paciente com Herpes.
O Dr. O-Fiu, pediu então ao rapaz que se identificasse e concluisse o que o tinha levado a fazer um diagnóstico tão estranho.
O rapaz, de seu nome Filipe, respondeu que (apesar de não se lembrar totalmente porque estava ligeiramente distraído) no inicio da apresentação dos sintomas tinha ouvido falar de borbulhas, e sabia que o Herpes pode por vezes migrar para o cérebro a partir por exemplo da cavidade nasal, podendo causar uma encefalite que pode apresentar os sintomas descritos e resultar em casos extremos na morte do paciente.
Algures de uma das primeiras filas do anfiteatro alguém disse - "estavas ligeiramente distraído!!! diz antes... estavas a dormir!!! É sempre a mesma coisa".
No entanto, para grande espanto de todos, o Dr. O-Fiu anuiu com a cabeça e disse:
- absolutamente correcto. Nunca pensei que alguém nesta sala soubesse responder. Por favor venha ter comigo no fim do seminário que eu gostaria de falar consigo.
Posto isto continuou a sua palestra, diluindo aquela ocorrência nas doses maciças de informação que foi fornecendo a seguir.
Somente Filipe e João o seu fiel colega (que o tinha ajudado a despertar quando O-Fiu o tinha interpelado) é que ficaram em pulgas para saber o que se iria passar a seguir. Bom, na realidade foi mesmo só João que ficou em pulgas, porque Filipe rapidamente voltou a adormecer.
Esse foi o primeiro sintoma de que Filipe possuia um dom para diagnosticar casos dificeis.
Com o passar dos 4 anos seguintes Filipe e João foram fazendo o mesmo percurso académico e profissional, frequentando as mesmas aulas, seminários e trabalhando nos mesmos hospitais. Eram hoje grandes amigos e colegas no hospital do Barlavento Algarvio, onde exerciam a sua profissão de médico.
Por várias vezes João tinha confirmado que Filipe tinha uma habilidade especial para fazer um diagnóstico dificil, e tinha também correlacionado esse acontecimento com o facto de isso acontecer sempre quando ele estava num estado de sonolência bastante acentuado, ou estava mesmo a dormir. A forma como acontecia era invariavelmente a mesma. Ele ouvia os sintomas (ou alguns deles) enquanto ainda estava a adormecer e depois devia ficar a pensar em tudo aquilo enquanto dormia e se por qualquer razão acordasse sobressaltado, a 1ª coisa que dizia era o diagnóstico correcto para o paciente em causa. Isto acontecia invariavelmente e no hospital até lhe chamavam ternamente Dr. Soneca. Mas como é óbvio esta condição dava-lhe um status algo único naquele hospital.
Apenas pacientes com doenças raras e cujo diagnóstico era dificil se deslocavam à ala 3B do piso 4 do hospital, onde uma série de médicos (um dos quais João) faziam um apanhado de todos os sintomas e queixas do paciente, mandavam fazer as análises que achassem necessárias, e só no caso extremo de não conseguirem obter uma resposta é que se dirigiam à porta onde estava escrito "Director da Unidade de Diagnóstico - Dr. Filipe A. Mendes".
Invariavelmente quando isto acontecia, quem se dirigia ao gabinete do director era João, que por isso mesmo já tinha ganho a designação de "sub-director", que começava por acordar Filipe (que geralmente estava a dormir). De seguida dirigia-se à aparelhagem sonora que estava instalada no gabinete e recorrendo a músicas criteriosamente escolhidas induzia em Filipe uma sonolência crescente enquanto ia lendo todos os sintomas e relatando todos os resultados já obtidos até verificar que Filipe já estava a dormir. Depois esperava um pouco e acordava-o de um modo brusco e ...zás... diagnóstico feito.
Para Filipe, este era o emprego perfeito, apenas se queixava quando João não o conseguia acordar de um modo brusco à 1ª ou 2ª tentativa e recorria à força bruta para o acordar. Isso estava a tornar-se cada vez mais frequente, provavelmente por causa da idade, e a sua cara já estava bem marcada das chapadas e socos que levava para acordar, mas enfim... fazia tudo parte do trabalho. E verdade seja dita, nem toda a gente pode dormir em serviço.
O orador, o conceituadíssimo Dr. Seymour O-Fiu, reagiu perante a resposta que tinha sido "gritada" face à sua pergunta dizendo - Por favor levante-se e repita o que disse.
O visado, um aluno do 4º ano de medicina daquela universidade, estava ainda a levantar-se com a ajuda de um colega e aparentava ter acabado de acordar. Na audiência toda começou a ouvir-se um murmurio "é o Soneca... é o Soneca".
O rapaz repetiu então, com um ar já desperto, "Herpes Simplex tipo 1" o que causou uma enorme gargalhada na assistência que não estava a ver como é que aquele maluco conseguia relacionar uma garganta inflamada, febre, tonturas, alterações comportamentais, paralisia e alucinações e finalmente a morte de um paciente com Herpes.
O Dr. O-Fiu, pediu então ao rapaz que se identificasse e concluisse o que o tinha levado a fazer um diagnóstico tão estranho.
O rapaz, de seu nome Filipe, respondeu que (apesar de não se lembrar totalmente porque estava ligeiramente distraído) no inicio da apresentação dos sintomas tinha ouvido falar de borbulhas, e sabia que o Herpes pode por vezes migrar para o cérebro a partir por exemplo da cavidade nasal, podendo causar uma encefalite que pode apresentar os sintomas descritos e resultar em casos extremos na morte do paciente.
Algures de uma das primeiras filas do anfiteatro alguém disse - "estavas ligeiramente distraído!!! diz antes... estavas a dormir!!! É sempre a mesma coisa".
No entanto, para grande espanto de todos, o Dr. O-Fiu anuiu com a cabeça e disse:
- absolutamente correcto. Nunca pensei que alguém nesta sala soubesse responder. Por favor venha ter comigo no fim do seminário que eu gostaria de falar consigo.
Posto isto continuou a sua palestra, diluindo aquela ocorrência nas doses maciças de informação que foi fornecendo a seguir.
Somente Filipe e João o seu fiel colega (que o tinha ajudado a despertar quando O-Fiu o tinha interpelado) é que ficaram em pulgas para saber o que se iria passar a seguir. Bom, na realidade foi mesmo só João que ficou em pulgas, porque Filipe rapidamente voltou a adormecer.
Esse foi o primeiro sintoma de que Filipe possuia um dom para diagnosticar casos dificeis.
Com o passar dos 4 anos seguintes Filipe e João foram fazendo o mesmo percurso académico e profissional, frequentando as mesmas aulas, seminários e trabalhando nos mesmos hospitais. Eram hoje grandes amigos e colegas no hospital do Barlavento Algarvio, onde exerciam a sua profissão de médico.
Por várias vezes João tinha confirmado que Filipe tinha uma habilidade especial para fazer um diagnóstico dificil, e tinha também correlacionado esse acontecimento com o facto de isso acontecer sempre quando ele estava num estado de sonolência bastante acentuado, ou estava mesmo a dormir. A forma como acontecia era invariavelmente a mesma. Ele ouvia os sintomas (ou alguns deles) enquanto ainda estava a adormecer e depois devia ficar a pensar em tudo aquilo enquanto dormia e se por qualquer razão acordasse sobressaltado, a 1ª coisa que dizia era o diagnóstico correcto para o paciente em causa. Isto acontecia invariavelmente e no hospital até lhe chamavam ternamente Dr. Soneca. Mas como é óbvio esta condição dava-lhe um status algo único naquele hospital.
Apenas pacientes com doenças raras e cujo diagnóstico era dificil se deslocavam à ala 3B do piso 4 do hospital, onde uma série de médicos (um dos quais João) faziam um apanhado de todos os sintomas e queixas do paciente, mandavam fazer as análises que achassem necessárias, e só no caso extremo de não conseguirem obter uma resposta é que se dirigiam à porta onde estava escrito "Director da Unidade de Diagnóstico - Dr. Filipe A. Mendes".
Invariavelmente quando isto acontecia, quem se dirigia ao gabinete do director era João, que por isso mesmo já tinha ganho a designação de "sub-director", que começava por acordar Filipe (que geralmente estava a dormir). De seguida dirigia-se à aparelhagem sonora que estava instalada no gabinete e recorrendo a músicas criteriosamente escolhidas induzia em Filipe uma sonolência crescente enquanto ia lendo todos os sintomas e relatando todos os resultados já obtidos até verificar que Filipe já estava a dormir. Depois esperava um pouco e acordava-o de um modo brusco e ...zás... diagnóstico feito.
Para Filipe, este era o emprego perfeito, apenas se queixava quando João não o conseguia acordar de um modo brusco à 1ª ou 2ª tentativa e recorria à força bruta para o acordar. Isso estava a tornar-se cada vez mais frequente, provavelmente por causa da idade, e a sua cara já estava bem marcada das chapadas e socos que levava para acordar, mas enfim... fazia tudo parte do trabalho. E verdade seja dita, nem toda a gente pode dormir em serviço.
Tuesday, September 16, 2008
Não vamos falar sobre isso
Esperança Gomes era uma mulher pacata e vivia uma vida sem sobressaltos até que um dia, numa consulta de rotina, o médico notou uma pequena mancha nos seus pulmões, lançando logo o alerta sobre a possibilidade de estar na presença de um tumor maligno.
E de facto, após realizar toda a bateria de análises e testes médicos requeridos, o maldito tumor foi diagnosticado e foi rapidamente iniciado o tratamento.
No meio de todo este processo, Esperança tornou-se (contrariamente ao que sempre fora) uma mulher muito fechada, com pouca vontade de conversar e sobretudo de conversar sobre a doença.
O seu marido, Carlos Gomes, que a tentava ajudar ao longo de todo este processo, debatia-se agora com um problema que nunca tinha tido antes, que era não poder conversar com a mulher... logo ela que toda a vida tinha sido partidária que tudo se resolvia conversando.
Carlos recordava ainda, com amargura, o dia em que perante o diagnóstico final sobre a doença da sua esposa e perante a sua necessidade de conversar sobre a doença, sobre o futuro, enfim, sobre a vida em geral, esta apenas lhe disse:
- Vamos continuar a fazer de conta que está tudo bem... tudo normal. Relativamente à doença, não vamos falar sobre isso.
Infelizmente, passados meses verificou-se que o tratamento foi insuficiente para debelar o problema e o mal estava já espalhado por todo o corpo.
No espaço de mais 2 semanas, Esperança encontrava-se já muito debilitada e Carlos não resistiu a pedir então à esposa que explicasse o porquê da sua atitude tão derrotista perante a doença e, sobretudo, o porquê da exigência de não se falar sobre isso.
Esperança explicou então que, para ela o falar sobre as coisas era o modo de as manter vivas, discutindo-as, analisando-as, racionalizando-as, pensando sobre elas e tentando resolvê-las e, neste caso, isso seria apenas adiar um problema porque o cancro já estava a fazer o seu serviço.
Confessou então a Carlos que não queria falar sobre a sua doença e que preferia fazer de conta que ela não existia, para assim não pensar nela, não falar sobre ela, não analisar a sua situação e, muito menos, tentar resolvê-la o que era impossível.
Morreu passados 6 dias e deixou a Carlos um peso e uma dúvida que duraram para uma vida inteira. "Quando existe um problema que não se consegue resolver como por exemplo uma doença fatal, é preferível ignorá-lo e viver o resto da vida como se nada fosse ou é melhor continuar a lutar (mesmo sabendo que é em vão) e recusar taxativamente que não há solução?"
Eu pessoalmente não sei, mas gostava de saber a vossa opinião ("adicionem 1comentário") para depois poder dizer qualquer coisa ao Carlos pois a Esperança já ele perdeu...
Monday, September 15, 2008
Compras no supermercardo
Todos os domingos que se dirigiam àquele supermercado, se passava a mesma coisa.
Ele antes mesmo de pensar em qualquer outro tipo de compra ia directamente ao corredor onde sabia que iria encontrar o produto que há tanto tempo desejava experimentar. Ela em contrapartida partia para o sítio mais longe que pudesse arranjar dali para tentar evitar o cerimonial do costume.
Mas nem 15 minutos passavam até ele aparecer ao pé dela com aquele olhar malandro. Depois na mão, lá estava claro o spray.
Ele piscava-lhe o olho como que a pedir baixinho, enquanto ela franzindo a testa fazia que não com a cabeça, depois ele insistia mais uma ou duas vezes indo de seguida colocar a lata no devido lugar e voltava para junto dela para acabar as compras sem dizer mais nada.
Neste dia no entanto, após esta rotina toda ele voltou para ao pé dela e disse-lhe.
- Vá lá. Não percebo porque é que não havemos de experimentar… tu no fundo também queres… ia ser tão bom.
Ela rapidamente fez sinal colocando o dedo junto da boca para lhe indicar para falar mais baixo dizendo.
- Estou farta de dizer que não quero que fales desses assuntos aqui … a falares tão alto…alguém pode ouvir. Já disse que não… é não.
Ele voltou a atacar dizendo,
- Olha, o Vítor meu colega de trabalho diz que já experimentou e agora não querem outra coisa ele e a mulher. Diz que se nota bem a diferença para o que era sem produto.
Ela mais uma vez envergonhada, porque entretanto com a excitação ele já tinha levantado a voz de novo, voltou a dizer
- Não… e não… Não quero passar pela vergonha que já foi da outra vez que levaste os outros apetrechos e na caixa de pagamento além da empregada, todo o resto da gente ficou a olhar para nós … as pessoas sabem bem para que é que serve isso…sabes?
Ele recorrendo a toda a sua capacidade de argumentação retorquiu
- Se sabem é porque também utilizam!!! Caramba… é só um lubrificante!
Ela apesar de semiconvencida por este argumento continuou a negar
- Não, é não.
Ele farto daquilo tudo amuou, e permaneceu calado enquanto faziam o resto das compras. Não conseguia perceber porque é que ela não haveria de ceder ao pequeno capricho de utilizarem o lubrificante que ele há tanto tempo desejava.
Enquanto arrumavam as compras na bagageira do seu velho carro, disse-lhe para finalizar
- Ainda és mais picuinhas que eu com a porcaria do carro, afinal isto é um chasso velho como o raio e qual era o mal de comprar aquele lubrificante extra para dar uma polidela no carro. Olha eu pessoalmente estou-me a borrifar para o que as pessoas pensam ou não sobre o meu carro.
É velho, mas está estimado. E essa tua mania de dizeres que sentiste vergonha porque eu trouxe aqueles faróis exteriores berrantes… afinal de contas agora que estão montados também os adoras.
Friday, September 12, 2008
you learn...
Ele ouviu um chorar baixinho e olhou em volta. Depois de procurar um pouco encontrou-a escondida a chorar. Então chegou-se ao pé dela para ver se estava magoada e ver o que podia fazer, mas ela recusou-se a sair do seu esconderijo. Disse que tinha medo que lhe fizessem mal outra vez.
Ele, pacientemente, parou ao pé dela e explicou-lhe suavemente que era normal, que as coisas aconteciam assim, que às vezes o mundo era assim, que às vezes os outros magoavam-nos, fazia parte. Mas que não se podia ficar escondida à espera que a vida, tão curta por sinal, passasse por ela.
Entretanto ela parou de chorar, mas continuava escondida. Ele não vendo outra maneira começou a contar-lhe a sua história, as suas mazelas, as cicatrizes que tinham ficado e as tentativas em vão até conseguir fazer as coisas como deve ser. Como tinha ficado tantas vezes escondido e como lhe tinha custado a sair do seu esconderijo e seguir em frente.
Há medida que ele ia contando a sua história, viu que ela começava a mexer-se, irrequieta e cheia de vontade de sair.
Até que por fim ganhou forças e levantou-se e começou a andar. E ele sorriu pois pensou que tinha feito uma boa acção.
Quando o rapaz viu os dois bichos da conta finalmente a sairem do cantinho onde não lhes conseguia chegar, pegou em cada um deles e espetou-lhes um alfinete, todo contente por ter mais bichos para por no seu novo insectário.
Ele, pacientemente, parou ao pé dela e explicou-lhe suavemente que era normal, que as coisas aconteciam assim, que às vezes o mundo era assim, que às vezes os outros magoavam-nos, fazia parte. Mas que não se podia ficar escondida à espera que a vida, tão curta por sinal, passasse por ela.
Entretanto ela parou de chorar, mas continuava escondida. Ele não vendo outra maneira começou a contar-lhe a sua história, as suas mazelas, as cicatrizes que tinham ficado e as tentativas em vão até conseguir fazer as coisas como deve ser. Como tinha ficado tantas vezes escondido e como lhe tinha custado a sair do seu esconderijo e seguir em frente.
Há medida que ele ia contando a sua história, viu que ela começava a mexer-se, irrequieta e cheia de vontade de sair.
Até que por fim ganhou forças e levantou-se e começou a andar. E ele sorriu pois pensou que tinha feito uma boa acção.
Quando o rapaz viu os dois bichos da conta finalmente a sairem do cantinho onde não lhes conseguia chegar, pegou em cada um deles e espetou-lhes um alfinete, todo contente por ter mais bichos para por no seu novo insectário.
Na Rádio (parte 3)
Latva tinha agora o problema de como conseguir mais material daquele.
E de seguida tinha também o problema de como conseguir arranjar alguém com uma voz semelhante à do 1ºCD. Mas para isso talvez já tivesse solução. Pedia ao seu amigo Mário da Informática para lhe arranjar um daqueles softwares para transformar a voz e devia ser possível imitar muito bem a voz do CD.
O grande problema era sem dúvida o material escrito.
Ligou o computador, ligou-se à internet e "googlou" a frase que lhe parecia ser o nome do 1º conto do CD. Saltaram 7845 resultados dos quais só viu os primeiros e verificou não interessarem.
Será que afinal aqueles contos não eram retirados de um livro? Seria aquele o nome correcto? Tudo era possível e as combinações de palavras que poderiam ser (pela lógica e temática do conto) o nome do mesmo eram quase infinitas.
Tentou mais 3 ou 4 sem resultado.
Pensou que esta não seria a melhor maneira de obter resultados, se calhar resultava mais tentar ele próprio escrever algo no género. Não devia ser difícil ... afinal de contas achava-se um tipo com um sentido de humor apurado e por isso talvez conseguisse reproduzir algumas das atmosfera irónicas que alguns dos contos do 1º CD tinham.
Esse foi outro grande erro ao fim de 2 horas e mais de 40 folhas de papel amachucadas, não tinha conseguido nada que se aproveitasse. Estava mesmo metido numa embrulhada.
Ao fim de mais 2 horas tinha conseguido escrever uma pequenissíma história que envolvia fantasmas, mas não era nem engraçada, nem emotiva como eram as do 1ºCD, mas era um começo. Começou então a pensar na música que deveria colocar como banda sonora daquele escrito e seguindo raciocínio análogo ao do 1ºCD pensou em músicas que falassem de algum modo de fantasmas.
Após uma escolha demorada e difícil decidiu que iria ver como ficava o texto dito sobre o "Is there a ghost" dos "Band of Horses".
Desceu até ao seu pequeno estúdio na cave e fez uma tentativa. Quando acabou de gravar a 1ª take (ainda sem voz modificada) parou para ouvir.
Wednesday, September 10, 2008
Promete-me que melhoras depressa!!!
Um dia durante mais um daqueles passeios que costumava dar pela mata de Monsanto quando sentia que algo na sua vida não estava bem, Joana viu um pequeno coelho muito parado, que contrariamente ao que era costume não fugiu quando esta se aproximou.
Ao fim de uns segundos conseguiu aproximar-se que chegue para lhe fazer uma festa.
Tinha uma franja muito engraçada (maior que o resto do seu pelo) e parecia estar à espera de algo. Pegou nele para o aconchegar no seu colo e o pequeno coelho pareceu responder à manifestação de ternura com um ajeitar da cabeça de modo a que ela mais facilmente conseguisse fazer festas.
Decidiu levá-lo para casa. Levou 2 dias a preparar o quintal da sua casa de modo a poder deixar o coelhito (ou Charlot como lhe tinha decidido chamar) andar livremente por todo aquele espaço sem que nada lhe pudesse acontecer.
E desse dia em diante partilhava várias horas da sua vida com o pequeno coelho, falava com ele enquanto lhe fazia festas na cabeça (penteando-lhe com os dedos a franja), cantava para ele, alimentava-o e brincava com ele.
Houve uma primeira vez que o coelho desadaptado à sua nova situação fugiu. Joana ficou desolada, mas passado 1 dia o coelhito estava de volta.
Houve uma segunda vez que o coelho fugiu com medo do ambiente em seu redor. Sentia-se intimidado pelos gatos e cães das redondezas que o espiavam. Joana ficou tão triste que considerou a hipótese de se morrer de tristeza, mas Charlot voltou ao fim de 3 dias e tudo voltou ao normal.
Com o passar do tempo (e com o melhorar das coisas na sua vida) Joana foi descurando a relação que tinha com o pequeno Charlot.
Houve uma primeira vez que se esqueceu de o visitar durante mais de 3 dias. Quando se lembrou de tal foi a correr ter com o coelhito que estava já em sofrimento e pediu-lhe muita desculpa, prometeu que a partir desse dia nada daquilo voltaria a acontecer e pediu-lhe (entoando uma melodia melancólica) que melhorasse depressa. Felizmente Charlot, melhorou e voltou tudo a ser como era.
Houve uma segunda vez em que se esqueceu de ir ter com Charlot durante mais de 7 dias. Quando se lembrou de tal encontrou o coelho prostrado no meio do quintal com os olhos baços e uma respiração lenta e pausada que a assustou bastante.
Novamente pediu desculpa ao coelho pegando-lhe ao colo e cantando novamente a mesma melodia "promete-me que melhoras depressa".
Desta feita no entanto o coelho parecia não responder positivamente ao mesmo tratamento e por isso ela decidiu levá-lo rapidamente ao veterinário.
Após ter contado o historial da vida do pequeno coelho, o médico apenas lhe ripostou que já nada havia a fazer.
Joana foi para casa muito triste e prometeu que da próxima vez que arranjasse um coelhinho nunca mais se ia esquecer de tratar dele.
Passados 3 anos Joana decidiu que depois de ter visto morrer o Charlot 5, iria a partir daí escolher outro animal, não sabia ainda bem qual, mas tinha que ser mais atlético e resistente... talvez um cão... quem sabe.
Monday, September 08, 2008
Na Rádio (parte 2)
O Facto de ter sido agendada para as 3h15 da manhã uma reunião mostrava bem a urgência do director da estação. Karol Latva estava sentado pensando em mil e uma maneiras de se justificar e tentar minimizar o efeito que a sua última decisão tinha tido.
Quando o director entrou na sala Latva nem teve tempo de se levantar, argumentar, nada. O director disse-lhe apenas
- Eu tinha razão em confiar em ti para me arranjares uma novidade espectacular. Como é que te lembraste daquela cena. E a ideia de fazeres de conta que não sabias quem fez o CD… o mistério… muito bem… cinco estrelas.
Latva nem teve tempo para confessar que na realidade não sabia de onde tinha aparecido o CD antes do director dizer
- Agora vais manter esta fachada toda, vais arranjar mais daquilo e passamos a ter um programa semanal só com aquela cena. E não te esqueças… tens que arranjar um nome à altura… claro.
Parou durante uns segundos como se estivesse a pensar e de seguida disse
- Epá … qualquer coisa do género “Conta-me histórias daquilo que eu não ouvi” … sei lá… Podíamos até pedir aos Xutos para fazerem uma versãozita da música com a letra já alterada e assim até poderíamos lançar a suspeita de que quem estava a fazer o programa era o Zé Pedro… Que achas da ideia???
Latva estava embasbacado. Para quem esperava uma bronca tremenda por ter tomado a decisão de alterar completamente o género e conteúdo do seu programa sem pré-aviso sair agora dali com uma ideia espectacular nas mãos, que mais poderia acontecer. O mundo estava mesmo ao contrário pensou… (e mentalmente sorriu pela associação que fez com a música dos Xutos). Enfim tudo aquilo parecia encaixar. O único problema era mesmo arranjar mais material daquele.
Sem perder muito mais tempo em conversas o director disse a Latva que no fim da semana tinha que ter mais um CD daqueles pronto.
Latva saiu sem saber muito bem o que fazer e o que pensar, mas no fundo tinha um sabor muito agradável na boca porque tinha apostado tudo por tudo numa ideia que pelos vistos era muito bem sucedida.
Estava orgulhoso e esse doce sabor a vitória permitiu-lhe ir para casa e dormir descansado sem pensar mais em como arranjar mais material daquele.
Construí este jardim para nós
D. Guilherme de Bolota era um nobre senhor da côrte real e tinha a seu cargo o comando da longínqua terra de Al Buba ADir.
Quando finalmente tomou o seu lugar no palácio da cidade foi contemplado pela visita da formosa princesa(agora sem reino) Arabel que vinha prestar vassalagem ao novo Senhor.
Tudo se modificou quando D. Guilherme viu Arabel e esta o enfeitiçou fitando-o com os seus belos olhos da cor do mar.
A partir desse instante D. Guilherme era de Arabel.
No entanto, nos primeiros tempos Arabel foi submissa a D. Guilherme. Arrojada como uma personagem de um qualquer conto erótico de Henry Miller ela satisfez os mais loucos desejos de Guilherme nunca pedindo nada em troca senão a atenção e o sorriso do seu Senhor.
Com o passar dos tempos Arabel acabou por se tornar a "mulher" de Guilherme, apesar de não serem esposos, uma vez que D. Guilherme tinha deixado esposa e filhos na sua terra.
Os primeiros pedidos de Arabel prendiam-se sobretudo com riquezas... jóias para ornar as suas vestes, fios de ouro para usar, moedas para poder comprar bons perfumes e essências. D. Guilherme tudo lhe deu, privando-se inclusive a si mesmo o prazer de alguns luxos para poder satisfazer o mais pequeno pedido de Arabel.
De seguida Arabel achou que o palácio estava sempre muito triste e pediu ao seu Senhor que enchesse o palácio de música. D. Guilherme contratou centenas de músicos para que em cada sala, em cada canto, houvesse o som de uma cítara ou de uma lira a encher o espaço por onde Arabel se meneava sensualmente.
De seguida Arabel queixou-se ao seu Senhor do cheiro que a incomodava quando passeava por certas áreas do palácio. O bom homem mandou encher todo o palácio de flores cheirosas que todos os dias eram renovadas.
Mesmo assim Arabel sempre mais exigente pediu a Guilherme um jardim onde pudesse disfrutar do aroma das flores frescas. Perante a resistência de D. Guilherme que já estava completamente submergido pelos pedidos de Arabel até ao ponto de descurar as suas obrigações para com o reino, ela sugeriu que a partir daí se poderiam encontrar no jardim para se amarem entre as flores e os aromas exóticos das plantas que queria que fossem plantadas no seu jardim.
Passados 2 dias, D. Guilherme chegou ao pé de Arabel e pediu-lhe para o seguir e com o abrir de uma porta recentemente construída, mostrou-lhe o esplendoroso jardim que tinha contruído dizendo-lhe "Construí este jardim para nós". Pegando-lhe na mão levou-a a passear no meio de um sem número de plantas exóticas com aromas de encantar e foi no meio de um tufo de margaridas sob a sombra de um chorão que a deitou e amou pela última vez.
Pela última vez, porque, de seguida Arabel confessou a D. Guilherme que já estava a ficar um pouco farta de um homem que lhe satisfazia todos os desejos sem reclamar e por isso pediu-lhe se poderia introduzir no castelo uma série de jovens militares do exército com quem ela se pudesse "divertir".
D. Guilherme com o coração completamente destroçado por mais um pedido e desta feita tão singular fez mais um esforço para lhe agradar.
Por isso, no dia seguinte entravam no palácio 12 jovens militares todos garbosos, musculados e viris que foram até à presença de Arabel cumprindo uma vez mais o seu pedido.
De seguida e sem hesitação cortaram a cabeça de Arabel como lhes tinha sido ordenado por D. Guilherme.
O nobre e honrado homem morreu alguns anos depois com a certeza no entanto de ter cumprido todos os pedidos da sua amada.
Sunday, September 07, 2008
Carisma
A professora de Língua Portuguesa tinha acabado de me chamar para ir ler o trabalho de casa lá à frente do resto da turma. Estava em pânico, devo dizê-lo, porque o rufião da turma tinha acabado se ser super-elogiado pelo belíssimo trabalho que eu tinha feito sobre poesia e amor e que ele me tinha roubado. Ele que nem sequer sabia escrever o próprio nome sem hesitar várias vezes se havia de escrever Jorge ou Jorje??
Pois é… e o meu pânico ( e se calhar não só) eram precisamente porque o “sacana” do Jorge me tinha roubado o trabalho de casa antes de entrarmos na aula. E mesmo tendo-o lido mal e porcamente (porque ler não era o forte dele) tinha conseguido uma unanimidade de “uaus”, “ais” e suspiros por parte de toda a claque feminina da turma, só porque era o Jorge, era bonito, era atlético, era …enfim um autêntico Deus naquela turma.
O pânico começou a dar lugar a uma certa raiva à medida que ia andando para o lugar ao lado da secretária da professora e quando lá cheguei o vazio que tinha antes na minha cabeça já dera lugar a um monte de ideias díspares e não organizadas de como me vingar de mais uma das “sacanagens” do bacano.
Apesar de estranhar o facto de eu não estar a ler a partir de nenhuma folha, a professora Celeste mandou-me avançar dizendo que começasse por dizer o tema do trabalho.
Escondendo mal a raiva que me enchia comecei.
“Carisma”…
Carisma não é algo muito palpável. Carisma não é algo que se adquira… ou se tem ou não.
Carisma não é algo físico, não é de certeza o facto de ser bonito, elegante ou atlético, que torna alguém carismático.
Samsão não era carismático, era forte e Dalila ao cortar-lhe o cabelo tirou-lhe essa força, o carisma não se rouba desse modo.
O Jim Morrison não era carismático porque era bonito e qualquer mulher cortava um dedo para poder estar com ele, era carismático, porque… raios… porque era carismático.
Porque dizia o que dizia quando dizia … isso sim.
Mas por vezes as pessoas menos atentas confundem as 2 coisas, talvez por isso o mesmo poema dito por 2 diferentes pessoas soe de maneira diferente.
E continuei lendo os versos da canção que tinha escrito para a miúda mais linda do mundo e por quem estava apaixonado há mais de 2 anos e que não me ligava nenhuma porque namorava com o Jorge.
“Esta miúda é mesmo a minha perdição
Eu amo-a do fundo do meu coração
Às vezes ainda passo horas a pensar
O que seria a vida sem ti…mas não consigo imaginar
E cada dia que passa preciso mais e mais de ti
Como o minuto da hora… tu já fazes parte de mim”
A cada palavra que eu dizia, caía uma lágrima dos olhos da Ana que descobria finalmente que o poema que o Jorge lhe tinha mandado no dia em que tinham começado a andar… não era escrito por ele.
E cada palavra minha fazia aumentar o esgar de desespero na cara do Jorge que se começava a ver agora descoberto.
À saída da aula, levei um enxerto de porrada do Jorge, mas valeram-me os tratamentos que (a miúda que eu hoje em dia acho a mais lindo do mundo) a Clara me fez e o modo como a partir daí nos começámos a relacionar e ficar a saber a maravilha que é não ser carismático, mas saber dizer o que se tem para dizer, quando se tem que dizer.
Wednesday, September 03, 2008
Na Rádio (parte 1)
Tudo começou no dia em que Karol Latva que ia fazer a emissão das 2 da manhã na estação de rádio onde trabalhava, encontrou um CD não identificado em cima da sua mesa (coisa impossível para um homem tão organizadinho como ele).
Faltavam cerca de 15 minutos para o começo do seu programa a que chamava “O Som do Sonar” por isso, tinha ainda tempo para ouvir um pouco do CD e identificá-lo para o arquivar.
Colocou os auscultadores na cabeça e cortou o som de saída da mesa. Começou por ouvir as primeiras notas de uma música que facilmente reconheceu “Breathe in breathe out do Mat Kearney”, mas passados alguns segundos (poucos … talvez 5 ou 6) começou a ouvir uma voz grave que começou a contar uma história utilizando a música como fundo. Não reconhecia aquela voz, mas era melódica pausada, enfim… radiofónica.
A história era uma espécie de alegoria à vida e estava espantosamente escrita, narrada e adaptava-se como uma luva à música. A narração era pausada e falava de alguém que um dia se tinha esquecido de respirar estava inteligentemente escrita e era mordaz, o que lhe agradou logo. Não resistiu a ouvir mais um pouco.
Com o fim desta faixa começou uma segunda música que também rapidamente identificou “Smokers outside the hospital door dos The Editors”, ficou surpreendido quando no instante em que esperava começar a ouvir a voz do Tom Smith a cantar “Pull the blindfold down” ouviu novamente a voz do misterioso locutor que desta feita começou a narrar um pequeno conto sobre um enfermeiro e um moribundo que o confundira com Deus, esta história não era nem cómica, nem mordaz, mas era impressionante . O resultado final daquela mistura de voz com a história e a música eram infernais… viciantes e se não calha o seu assistente ter avisado que entrava no ar dentro de 1 minuto, era muito bem capaz de ter dado a maior barraca da sua história radiofónica.
Às 3h00 quando acabou o seu programa pegou no CD e no caminho para casa “devorou” o resto do CD, as músicas apesar de em grande parte até já não serem novidade para as ondas hertzianas (ele próprio já tinha passado bastantes delas no seu programa) estavam muito bem escolhidas e os restantes contos eram espectaculares.
A variedade dos temas e a maneira como estavam tratados era muito invulgar e o resultado final era realmente viciante. Tão viciante que depois de ter chegado a casa passou o resto da noite a ouvir vezes sem conta aquela hora de música e palavras. E ao fim de ouvir o CD umas 7 vezes decidiu que iria passar aquele CD na íntegra no seu programa e verificar qual o resultado perante os seus ouvintes habituais.
Às 2h00 do dia 9 de Maio iniciou o seu programa dizendo apenas
- ouçam só isto… não sei quem o produziu, não sei quem fez a escolha das músicas, nem quem escreveu os textos, mas tenho que partilhar convosco. Mandem-me a vossa opinião e comentários para som.do.sonar@rs.fm - fez uma pausa e disse
- e para aquele que me colocou o CD em cima da mesa ontem à noite … amaldiçoado sejas que não consigo deixar de ouvir esta cena e estou avidamente à espera de mais.
Às 2h12m já o departamento de informática da rádio tinha dado ordem para mandarem abaixo o servidor de e-mail porque estava completamente bloqueado por e-mails a pedirem a Latva para passar mais daquilo.
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