Tuesday, February 07, 2006

The magic-lick

Este é um pouco extenso. Não sei se funcionará....

A banda acabou a actuação e começámos a arrumar os instrumentos. Tinha sido uma noite boa. Durante o último tema, tinha havido um momento em que quase senti que tinha conseguido! Olhei para os meus companheiros musicais e pareceu-me ver um sorriso trocista nos lábios do baixista. Quando me viu olhar para ele disse, já a sorrir abertamente:
- Não me digas. Durante este último solo sentiste que estavas quase a conseguir o magic-lick...
Era uma brincadeira recorrente entre eles, esta minha procura pelo magic-lick. Mas para mim não era brincadeira nenhuma. Estava sinceramente convencido que se conseguisse encontar a combinação correcta de notas, ritmos e silêncios haveria de conseguir o lick perfeito. E ele seria mágico levar-me-ia aonde eu quisesse ir. Levar-nos-ia a todos! Já não era a fama ou a fortuna que contavam, era só a pureza e a felicidade que estariam contidos naquela linha perfeita de guitarra. E hoje tinha estado tão perto... Tinha que continuar a estudar, continuar a aperfeiçoar-me, continuar a exceder o que já tinha feito. Talvez em breve conseguisse obter o magic-lick?
Ao ver a minha expressão de desapontamento, o baterista deu uma cotovelada no baixista e disse:
- Estás cada vez melhor! Acho que já não deve ser possível ninguém tocar guitarra melhor do que tu! Neste último solo tiveste-os todos na mão. Eu até me passei...
Olhei-o com um sorriso de agradecimento e disse-lhe que ele era um gajo porreiro. Mas no meu íntimo sabia que ainda não tinha sido desta...
Saímos do bar onde tinhamos actuado, arrumámos tudo na nossa carrinha e dirigi-me para casa, despedindo-me do resto da banda, pois eles iam levar o material (a minha guitarra incluída) para o armazém onde o arrumávamos.
Caminhei pelas ruas, distraído, sempre com aquela linha de guitarra na mente, nos lábios, nos dedos, em todos os recantos dentro de mim. Tinha sido quase, faltavam só umas notas, umas pequenas alterações de ritmo, sentia que estava mesmo quase! Quase que podia sentir e ouvir o magic-lick. Tinha que estudar mais, tinha que melhorar mais ainda a técnica! E aquelas notas, que me pareciam imperfeitas, mas quase-perfeitas ao mesmo tempo, não me abandonavam nem um momento.
Passei por um pedinte com o seu prato de plástico - onde se encontravam já algumas moedas - no chão à sua frente. Ia tão distraído que, eu que geralmente não dou esmola pois sou contra a indigência, tirei umas moedas do bolso e dexei-as cair no prato do mendigo. E ao caírem, o seu tilintar confundiu-se com as notas que me ressoavam no cérebro e foi como se um interruptor tivesse sido ligado! Era isso, tinha acabado de ouvir o magic-lick! Tinha conseguido! Só faltava conseguir tocar aquilo na guitarra!
Desatei a correr feito louco, maldizendo-me por não ter trazido comigo a minha fiel guitarra. Tinha que chegar a casa depressa, não me podia esquecer daquela frase perfeita! Atravessei ruas sem olhar e sem abrandar, arrancando imprecações dos condutores que tinham que travar abruptamente, atropelando os peões, albarroando tudo o que se metesse no meu caminho. Tinha que chegar a casa para ver se conseguia tocar na guitarra o magic-lick! Naquela noite, a Musa dos músicos devia estar a proteger-me, pois deveria ter morrido mais de cem vezes naquele percurso, se as regras estivessem em vigor para mim.
Entrei desabridamente pela porta de casa e fui “atacado” pelo meu querido cão (um grande Serra-da-Estrela) que se atirou a mim cheio de contentamento em ver-me. Parei para tomar fôlego e... esquecera-me do meu lick! Não, não podia ser! Durante aquela corrida desmedida, tinha-se evaporado da minha mente! Oh não! Ter tido a perfeição ao alcance e tê-la deixado escapar.
Maldizendo o meu destino, baixei-me para fazer umas carícias ao meu companheiro, que desconhecendo os meus azares, abanava a cauda e pedia brincadeira. Ao fazer-lhe uma festa, a coleira metálica que usava ao pescoço tilintou e... magia, lá estava outra vez o magic-lick. E tinha sido o meu querido Sam, com a sua fome de brincadeira que mo tinha devolvido. A transbordar de alegria, abracei-o, sem querer deixar de recompensar aquele cão maravilhoso que para além de excelente companhia me tinha devolvido o meu lick! Corri, aos pulos, para a sala onde tenho a minha guitarra e comecei a tocar o meu lick. Bolas, não conseguia tocar o que tinha acabado de ouvir. Qualquer coisa me estava a escapar! Devia ser uma falha da minha técnica. O lick existia, eu só não o conseguia executar! Desanimei! Era demais! Ter tudo ao meu alcance e tudo perder... Deixei-me cair, desalentado, no sofá e passei as mãos sem pensar pelas cordas da minha amiga guitarra, pensando naquelas notas perfeitas. Da janela, chegaram-me os risos de umas crianças que brincavam no jardim e os meus dedos reagiram inconscientemente a esse estímulo, tentando emular aqueles risos com as cordas, ao mesmo tempo que tocava distraidamente as mesmas notas que tinha tocado anteriormente.
E foi o extâse! Tinha conseguido. Aquele lick que me tinha fugido tantas vezes, que a minha técnica não tinha conseguido capturar estava ali, saindo dos meus dedos enquanto tocavam distraídos, alheios à minha vontade. Foi aí que percebi: o magic-lick não era uma questão de técnica, não era uma questão de esforço ou treino. Não que este não tivesse sido importante pois de outra forma nunca teria podido tocar as notas que estava a tocar, mas era sobretudo uma questão de sentimento. Daí que fosse ao dar as moedas ao mendigo, sem pretender nada em troca (nem sequer a salvação eterna), ao fazer festas no meu querido companheiro de quatro patas ou ao ouvir os risos das crianças que ele me tinha soado no cérebro.
Agora percebia tudo! Devia tocar sempre com o corpo todo, com o sentimento todo e não só com as mãos, o cérebro e a mestria técnica que se adquire com o treino. E continuei a tocar aquela linha na guitarra, que enchia a minha casa, enchia a minha alma e transbordava para o resto do mundo, enchendo-o com a música perfeita, inadulterada que iria desse dia em diante fazer as delícias de quem me quisesse ouvir e de quem a quisesse tocar.

4 comments:

O_Corrosivo said...

O que todo e qualquer músico queria!!!
Só não sei se a satisfação nalguns casos não seria porque "isto pode dar muito dinheiro" e não pela emoção e prazer de se ter descoberto e dado a descobrir algo perfeito.
Fica registada a minha pouca fé na raça humana

O_Corrosivo said...

Resulta... se resulta!!!

D@s Pl3ktrüm-/v\ädch3n said...

When music is done "working", I don't know what else will... =P

player1331 said...

music is my life and my soul...enquanto houver a musica da vida, haverá sempre o magic-lick para tocar...espectacular...mesmo comprido resultou...:D