Wednesday, March 29, 2006

O último combate

José Maria era um soldado. Era um veterano do exército branco. Nesse dia tinha sido chamado para um emergência.
Preparou-se… respirou fundo e desatou a correr para o local que estava a ser invadido. Rapidamente chegou lá, aproveitando a corrente e com a sua prática e sentido de orientação, não levou mais do que 82 segundos para chegar ao local.
Assim que se conseguiu aperceber da totalidade da cena, preparou-se para o combate.
Na realidade só conseguia ver os seus camaradas abrigados, tentando lutar contra a enorme lança metálica que parecia querer derrubá-los a todos. Já a tinham conseguido fazer recuar 3 ou 4 vezes, mas desta vez parecia mais difícil.

José Maria avançou decidido a dar a sua contribuição e com uma série de manobras arriscadas teve acesso ao teatro de operações.
Quando finalmente entrou em duelo com o invasor, pouco mais sentiu do que uma sensação de leveza, ao mesmo tempo que se sentiu puxado por uma força incrível.
A enfermeira, com um sorriso amarelo, dizia para o paciente “ olhe … já está” – dizia, reforçando o sorriso, “desta vez só foi à quinta … peço desculpa” dizia ao mesmo tempo que puxava a seringa do braço do pobre coitado que dava graças a Deus por tudo ter terminado (Banda sonora: “The voice – John Farnham”)

Tuesday, March 21, 2006

O Bem e o mal

Tobias era um bom homem. Trabalhador assíduo e dedicado de uma empresa de metalomecânica de alta precisão. Em casa era um bom marido, ajudava bastante nas tarefas de casa, aliás ajudava tanto que a sua mulher, por vezes, lhe gritava da sala (onde passava o dia todo a ver novelas de pés cruzados sobre a mesinha de chá) para ele descansar um bocadinho e deixar o jantar que nesse dia iam comer fora.
Coitado do Tobias, afinal já tinha limpo o pó e aspirado a casa toda, tinha tratado da roupa, lavado a louça e merecia um descanso. A sua mulher por vezes perdia alguns minutos (durante os intervalos da novela) a pensar na sorte que tivera em casar com um homem tão bom. Já na escola pimária o tinham votado como o menino mais bonzinho, no liceu tinha sido considerado o adolescente do ano e posteriormente tinha sido considerado o solteirão mais apetecivel do bairro, até ela ter tido a sorte de o conhecer.

Toda esta rectidão, bondade e sentido de justiça advinham do facto de Tobias acreditar piamente numa teoria que desde muito cedo tinha tecido na sua cabeça e que basicamente dizia, que só havia 2 tipos de pessoas, as boas e as más. Não havia pessoas assim, assim, ou que nuns dias eram boas e noutros más.
A quem tinha pachorra para o ouvir falar sobre a sua teoria, citava com fervor os exemplos de como tudo convergia para apenas 2 estados, como por exemplo, o actual panorama político no seu país , onde após a implementação da tão nova e frágil democracia, existia uma pluralidade de partidos, e com o passar do tempo tenderam para apenas 2 - um à esquerda e outro à direita. Outro exemplo que gostava muito de citar era o do tempo, quando era criança, lembrava-se tipicamente de 4 estações o Outono, Inverno, Primavera e Verão, hoje em dia apenas existiam efectivamente 2 o Inverno e o Verão.
Tudo se manteve nesta paz e harmonia, até ao dia em que um dente de uma roda dentada da máquina com que trabalhava encravou e fez com que toda a engrenagem saltasse a grande velocidade, tendo 145 (contados nas radiografias) minúsculos pedaços ficado cravados dentro da cabeça de Tobias.
Quando acordou do coma em que tinha ficado durante 2 semanas e 3 dias, soube a terrível verdade, é que de todo aquele metal que tinha sido projectado contra o seu cérebro somente 26 partículas tinham sido retiradas, porque as restantes estavam em partes "delicadas" do cérebro, em que não poderiam mexer. As consequências de ter todo aquele metal enfiado dentro da cabeça eram desconhecidas e imprevisiveis. Os médicos falaram-lhe de alguns casos parecidos com o dele, em que tinha havido lobotomia dos lobos frontais dos hemisférios do cérebro e com isso vieram mudanças de comportamento.
Mas ele acontinuava a acreditar na sua teoria dos dois estados, apesar de se sentir diferente, sobretudo quando passava perto de antenas emissoras de rádio ou de telemoveis, situação em que sentia uma enorme pressão na cabeça e começava a ouvir as emissões que estavam a ser efectuadas.
Com a sua nova situação veio um mar de desgraças. A mulher deixou-o, agora que já praticamente não fazia nada em casa. Foi despedido por incapacidade permanente superior a 90%. Um dos pedaço que se tinha alojado no seu cérebro tinha a forma de uma espiga e estava a enterrar-se cada vez mais profundamente no seu cérebro provocando-lhe um acentuado descoordenamento na locomoção. Com o andar do tempo tornou-se amargo. Quando paralisou completamente ficou agarrado a uma cama de hospital e tornou-se um chato rezingão, sempre preocupado em safar-se melhor que o parceiro do lado, não importando o facto de ter que prejudicar o paciente da cama ao lado. Quando conseguia estar lúcido pensava no asco de pessoa em que se tinha tornado.
Um dia, tantas fez ao velhote do lado que este farto de aturar aquele chato, quando o apanhou a dormir, pegou na muleta e deu-lhe tantas vezes quanto conseguiu até chegarem os enfermeiros e o agarrarem. Tobias ficou num estado lastimável e entrou em estado de coma por 2 meses. Quando acordou apercebeu-se que tudo voltara ao normal, de facto, com as pancadas na cabeça dadas pelo velhote do lado, tudo parecera voltar ao normal, tornara-se novamente uma pessoa afável, simpática e recta e já conseguia andar novamente. Que bom , pensava Tobias, agora ia gozar a vida outra vez.
Infelizmente 2 dias depois morreu em consequência de problemas no figado que tinha sido severamente atingido por uma das pancadas do velho.

Monday, March 20, 2006

Leopoldina a Super-heroína

Leopoldina era uma mulher invulgar. Tinha com o tempo desenvolvido uma série de poderes especiais e hoje em dia poder-se-ia considerar uma heroína, Leopoldina a super heroína.
Naquela manhã solarenga, estava a tomar um café na leitaria do Sr. Amílcar, quando presenciou uma cena que a revoltou e a obrigou a agir.
Estavam também na leitaria uma Sra. e um rapazito deficiente, que se movia descoordenadamente ao som do "Creep" dos Radiohead que tocava na velha rádio, e que após ter comido o pequeno almoço com ajuda da mãe (a tal Sra.) começou a tossir. Após 2 minutos de tosse convulsiva (tempo durante o qual a Sra. o avisou repetidamente para parar com aquilo) vomitou tudo o que tinha comido. A mulher deu-lhe uma valente bofetada que pôs o rapazito de seu nome Pedro em fuga para a casa de banho para se limpar.

Leopoldina estava chocadíssima com toda aquela cena, então aquela fraca desculpa de mãe manda um estaladão daqueles ao filho que além de já ser deficiente, teve a pouca sorte de ter um ataque de tosse.
Não podia tolerar aquilo, dirigiu-se à mulher e usando a sua super-força obrigou-a a deitar-se no chão de barriga para baixo, depois apressou-se a passar a sua mão esquerda sobre a cabeça da mulher, sabendo de antemão que com este gesto ia fazer um varrimento da memória dos últimos 3 meses da vida da mulher e assim, aperceber-se do quão má ela era para lhe poder aplicar o castigo merecido.
O resultado não foi nada do que imaginara, naqueles 34 segundos que levou a percorrer as memórias dos 3 últimos meses de vida da mulher nunca viu nada que não fosse uma manifestação profunda de amor pelo seu filho, e o que a tinha levado a ter nesse dia aquela reacção pela primeira vez, tinham sido os dias consecutivos a aguentar a mesma cena por parte do rapaz, que todos dias que ali ia tomar o pequeno-almoço com a mãe fazia sempre a mesma coisa, provocando um ataque de tosse até vomitar tudo o que tinha comido. Todos os dias sem falhar um. A mãe só naquele dia tinha pela primeira vez perdido a cabeça e tinha-lhe dado o estaladão.
Como se pudera enganar Leopoldina tão drasticamente. Realmente, nem tudo o que parece é. Leopoldina passou então a sua mão direita sobre a cabeça da mulher para a fazer esquecer tudo o que se tinha passado nos últimos instantes, e ajudou-a novamente a pôr-se de pé.
Desde esse dia, Leopoldina nem sempre tem pena dos coitadinhos, nem sempre acha que os maus merecem castigo, primeiro usa a sua mão esquerda, e diga-se de passagem tem usado muitas mais vezes a seguir a mão direita do que a sua superforça.

Tuesday, March 14, 2006

Descanso

Cansado, ele olhou atravvés da janela. Surpreso, notou que a paisagem não era a do costume. Como poderia isso ser? Ele não tinha saído do seu gabinete, não podia ter mudado a paisagem. Pôs-se de pé e abriu a janela. Não havia dúvida, a paisagem tinha mudado! Não reconhecia nada daquela vista que se lhe deparava. Já assustado, dirigiu-se para a porta do gabinete. Quando a abriu foi um novo choque. A porta não dava para o corredor do costume! Na verdade, não dava para corredor nenhum, só para uma imensidade onde não via nenhum ponto de referência, nada connhecido ou sequer remotamente reconhecível. No entanto, não podia deixar de sentir uma calma profunda, uma sensação de estar onde devia, uma sensação de verdadeiro descanso pela primeira vez em anos, perante aquela imensidade...
O funcionário da limpeza esfregava as mãos contrito enquanto explicava ao polícia: “Quando cheguei, já o velhote tinha morrido, tinha-se apagado sentado à secretária do seu gabinete...”

Monday, March 13, 2006

Um Paraíso tropical

Era verdadeiramente paradisíaca aquela ilha. Imaginem praias cobertas de uma fina areia tépida com textura de seda, rodeadas por vegetação exuberante, palmeiras que se erguiam até aos céus, os animais coexistindo amigavelmente com os humanos, como se fosse essa a vontade divina. Imaginem ainda um clima tão agradável que o uso de roupas se devia só a razões de pudor, não muito partilhadas pelas belas nativas da ilha.
Quando o barco tentou aportar à ilha para buscar os turistas que tinham passado aquele fim-de-semana na ilha abençoada, só descobriu mar. Nem sinal da ilha ou dos seus habitantes. Foi a partir desse fim-de-semana fatídico que ficou conhecida como a Nova Atlântida.
Foi também nessa segunda feira que um tenente artilheiro de uma pequena nação, recentemente chegada ao número das potências nucleares, foi repentinamente passado à reforma após ter participado no primeiro ensaio nuclear como responsável pela direcção dos misseis. Foi ainda nessa segunda feira que alguns colegas desse tenente foram levados a tribunal marcial por terem feito uma brincadeira estúpida, substituindo os óculos desse tenente por outros idênticos mas com lentes não graduadas.

Sunday, March 12, 2006

os ladrões...

Parados ficaram a ouvir a conversa que vinha de trás da porta... não era preciso pedirem silêncio um ao outro... não eram propriamente amadores, aliás já muitas vezes tinham feito coisas parecidas...
A conversa foi-se esfumando à medida que os passos se iam afastando. Sem sequer uma palavra a sua companheira, deu meia volta e dirigiu-se ao cofre. Não havia dúvidas que por trás daquela porta haveria tesouros apetecíveis, mas primeiro era preciso agir com cautela, afinal não queriam ser apanhados. Tinham bem na memória a última tentativa frustrada...
Avançando com cuidado lá foram os dois...pé ante pé, sem fazer o mínimo de barulho... e foi com pezinhos de lã que atravessaram a última porta.
Lá estava ele, o cofre, imponente e resplandecente à luz do sol. Na sua mente surgiram imagens de conquista e prazer...
"Mas agora não era altura!" disse para si próprio. Agora era altura de agir...
Rodearam o cofre e tentaram descobrir uma maneira de abrir... nenhuma fechadura à vista, nem nenhuma parede falsa a esconder uma entrada secreta...estiveram muito tempo de volta daquela porta, sem nunca conseguir descobrir nada...
Já tinham desistido quando de repente a sua companheira se encosta à porta e esta faz um click... e, perante os seus olhos, a porta abriu-se lentamente...iluminando os seus olhos extasiados...
Lá dentro, mil e uma promessas de uma boa vida... Sem pensarem sequer no que estavam a fazer atiraram-se lá para dentro e regojizaram-se com a sua sorte, nadando no meio da brancura e dos seus tesouros...
Por isso nem sequer deram pela porta bater, pelas conversas que se aproximavam, nem pelos passos que pareciam como trovões... só se aperceberam do que tinham feito quando viram duas mãos a agarrá-los e uma voz a dizer:
"PINTAS, ÍRIS o que estão a fazer dentro do frigorífico???"

Friday, March 10, 2006

Outros Mundos...

Era um homenzinho insignificante, mas tinha uma peculiariedade interessante: vivia em dois mundos diferentes.
Quando estava acordado, viva no mundo real e não passava de um homenzinho insignificante. Os seus 1m60 de altura e os seus 55Kg de peso não eram de molde a inspirar respeito a ninguém e o seu cabelo pardo e a rarear e os seus olhos castanhos e baços faziam com que fosse ignorado por todos excepto para fazerem pouco dele. Nunca tinha tido uma namorada e o seu patrão na loja de tintas onde trabalhava, guardava todas as tarefas mais ingratas e mesquinhas para ele, apoiando os seus colegas de trabalho em todas as oportunidades que surgiam para o rebaixar.
Mas quando dormia, no Mundo dos Sonhos, a história era outra! Nesse mundo tinha descoberto uma tinta que quando utilizada sobre qualquer item da sua indumentária o tornava completamente irresistível para os outros. Todos, homens e mulheres, faziam todo o possível para lhe serem agradáveis. Nesse mundo, se queria um bem qualquer bastava apresentar-se no respectivo fornecedor e, educadamente, exprimir o seu agrado em possuir tal ou tal item e, de imediato, o bem lhe era entregue pelo dono do estabelecimento com um sorriso de agrado. Se queria dançar com uma mulher bastava-lhe exprimir o desejo de o fazer e de imediato, quer ela quer o seu acompanhante (caso existisse), saltavam de alegria por lhe poderem ser agradáveis. Enfim, era um mundo maravilhoso.
Um dia o patrão reparou que não tinha vindo trabalhar. Como ele não dissesse nada, pediu a um seu colega o favor de passar pela casa dele para o amesquinhar e envergonhar por ter faltado. O colega em vão tocou à porta pois ninguém apareceu. Após três dias consecutivos de faltas, sem água vai nem água vem, o patrão participou à polícia o desaparecimento. Os polícias arrombaram a porta do seu pequeno apartamento mas em vão, nem sinal dele.
Desde esse dia ninguém mais ouviu falar nele. Mas, de vez em quando, aparece nos sonhos de diversas pessoas, um indivíduo baixinho e desconhecido a quem o sonhador tem um desejo irressistível de ser agradável...

Thursday, March 09, 2006

Os Namorados

Já não aguentava mais. Era insuportável passar pelo jardim todos os dias e vê-los sempre, dia após dia, ele com a cabeça sobre o regaço dela, a mão dela a acariciar os cabelos dele e ele olhando-a com um olhar de constante paixão. Não, era verdadeiramente inconcebível que ela amasse aquele outro e não a ele que tinha uma posição de destaque na sociedade, era de boas famílias, tinha um físico irrepreensível enfim era um bom partido de qualquer forma que se examinasse a questão. Naquele dia, se eles lá estivessem, ele ia acabar com aquele namoro de uma vez por todas.
No dia seguinte os cabeçalhos dos jornais locais diziam: Proeminente médico é preso pela polícia não sem primeiro ter praticamente destruído a estátua “Os namorados” doada à cidade pelo famoso esculptor Sculptwell. Pensa-se que se trate de um caso de insanidade temporária.

Wednesday, March 08, 2006

8 de Março Dia da Mulher

Matthew Cuzack já se tinha cruzado com pelo menos uma boa dúzia de lindas mulheres e todas elas levavam flores. O que haveria de especial nesse dia? Começou a pensar … qual seria a celebração hoje? Dia do malmequer?
Dia 8 de Março para ele era uma semana antes da ida ao veterinário com o seu cão, era 15 dias antes da reunião de condomínio (grande seca … a propósito) e de resto era um dia vulgar achava ele. Dia 21 era o dia da árvore, mas …dia do malmequer?
Entrou numa florista para tentar averiguar o que se passava, foi logo bombardeado pela florista que lhe perguntou
– É para oferecer a alguém que ama? Posso sugerir umas Rosas Vermelhas significam amor, respeito, adoração, ou então se for para alguma amiga especial sugiro umas Rosinhas Coloridas com predominância das cores claras, por outro lado se quiser presenteá-la com uma orquídea, fica sempre bem… sabe que é o símbolo da beleza feminina? Se for só para alguma amiga muito alegre sugiro-lhe um arranjozinho com um Girassol que é o símbolo da alegria e é muito baratinho. Se for para oferecer a uma menina mais nova então sugiro a Margarida que é baratinha e significa inocência costumam aliás chamá-la de flor das crianças. Que me diz?
O jovem Matthew olhou para a mulher perplexo e atordoado com aquela injecção de informação que tinha levado e disse ainda a refazer-se daquela enxurrada de palavras
- Bom eu só queria saber, porque é que hoje todas as mulheres que tenho visto na rua andam com um malmequer, é dia do malmequer? Isso existe?
A florista, muito desiludida, vendo já o negócio como perdido disse muito aborrecida – Ó meu caro Senhor, não sabe que hoje é Dia da Mulher!
Nesse dia quando chegou a casa levava um ramo com 1 Girassol, várias Rosas Vermelhas e Brancas e claro 3 grandes Margaridas a envolver o Girassol. Junto vinha um bilhete que dizia, “ Por seres a mulher mais bela e eu te amar e respeitar tanto, queria que continuasses a ser a minha maior amiga e que me continuasses a contagiar com a tua alegria de criança inocente que eu tanto gosto”
A mulher ao ver o ramo e a dedicatória ficou sem palavras, ele calmamente estendeu a mão e disse-lhe - " hoje não fazes cozinhados vamos jantar fora". No caminho para o restaurante a rádio do carro tocava, muito apropriadamente, o "Woman" do John Lennon.

Monday, March 06, 2006

Até os anjos deviam estar zangados














Eu estava muito triste...
E naquele dia, até os anjos deviam estar zangados
Havia no ar aquela inquietude que existe
Quando algo que não devia acontecer... acontece

A chuva batida a vento fustigava-me a cara
E molhava cada milimetro do meu ser
Eu esperava que todo aquele ritual terminasse
E a dor ... aquela ... a mais profunda ... começasse

Humanamente, o que tinha acontecido
era uma estupidez... inexplicável
por isso, procurei a explicação noutro lado
mas isso em nada alterara o quanto eu estava desiludido...zangado

E quando o vi descer à terra, senti-me como que puxado
Não só por esta, mas por todas as vezes anteriores...
Com o peso da terra já a sufocar pensei que nada iria adiantar
Por isso ergui-me, e mais uma vez retomei o meu caminhar

Isto não quer dizer que esteja contente...
Ou que tenha encontrado uma explicação
Quer apenas dizer que ... não sabendo o que fazer
Continuar... me parece a melhor solução.


Em memória do Luís César

Sunday, March 05, 2006

obra prima...

Ali estava ele, a sua obra prima, fruto de uma boas horas de trabalho. Afinal de contas tinha sido necessário repetir todos os passinhos vezes e vezes sem conta para ter a certeza que tudo estava perfeito. Como lhe custara estar quieto a ver ser construído a primeira vez para apenas ser desmanchado logo a seguir, para que tudo fosse compreendido e assimilado... Como fora bom tê-lo construído a primeira vez com as suas mãos, embora não fosse perfeito... Mas agora tudo estava a ir pelo bom caminho... depois de ter deitado tantos materiais fora e ter perdido boas oportunidades para ir passear com os seus amigos...
Parou e observou-o (em jeito de pintor que observa a sua obra) e decretou que estava tudo pronto, estava finalmente acabado... A luz resplandecia na brancura da sua figura, erguendo-se imponente a majestoso...
Pegando-lhe com todo o cuidado, e sob o olhar sorridente de sua mãe, o menino levou o barquinho até ao lago, baixou-se e com um sorriso pô-lo na água para o ver navegar...

Friday, March 03, 2006

Escolhas



Sempre que dizia que trabalhava para o F.B.I. as reacções dividiam-se entre 2 vertentes. Aqueles que ficavam perplexos e aqueles que gozavam a situação. A maior parte das vezes optavam pela 2ª vertente, talvez pelo seu aspecto fraco, franzino, patético até. As piadinhas sobre o F.B.I. eram sempre as mesmas – “Trabalhas para o F.B.I.? deves ser algum “Female Body Inspector, não?”
No dia 17 de Agosto de 2008 tinha sido chamado à sede para mais uma missão com o seu parceiro. Estudado o perfil do indivíduo que tinha que ser interrogado, caiu-lhes a eles em sorte o interrogatório. Dirigiram-se para a sala já com a rotina combinada, como aliás sempre faziam.
O seu colega de equipa tinha os traços físicos opostos aos dele, alto, musculado, um semblante frio e calculista que faziam adivinhar alguém muito metódico e cuidadoso, podia dizer-se que eram como a noite e o dia.
O indivíduo era um psicopata que era suspeito de saber algo sobre o assassino de mais de 20 mulheres, que tinha andado durante os últimos anos a brincar com eles.
Passados 15 minutos de interrogatório conduzido pelo seu colega, sem nenhum resultado obtido, entrou em acção. Tomou conta do interrogatório e depois passados alguns instantes, ele e o parceiro desentendiam-se e aí começava o martírio dele ... mas o que é que podia fazer… era para isso que lhe pagavam.
E assim foi, o parceiro começou a desancá-lo, para (e segundo o estudo do perfil prévio do psicopata) que o interrogado tivesse muita pena dele, e a seguir confessasse tudo o que sabia por solidariedade para com o mais fraco.
Era realmente um trabalho muito chato, ainda por cima porque o seu companheiro de equipa levava o seu trabalho muito a sério…
Nesse dia, ainda por cima, tudo correu mal. É que, a meio do interrogatório, o psicopata inesperadamente, ou então por erro de quem avaliara o seu perfil, reagiu à surra que o seu companheiro lhe dava não com pena, mas saltando também para cima dele para o sovar. O seu companheiro de equipa, que nunca gostava de ficar atrás nestas coisas em vez de tentar parar o malandro, bateu-lhe ainda com mais força.
Já no hospital, com 7 costelas partidas, alguns hematomas e uma sensação geral de mau-estar, pensava como toda a sua vida teria sido diferente se, há uns anos atrás em vez de entrar para o F.B.I, tivesse aceite aquele emprego na lavandaria do bairro. Enfim… escolhas…

Thursday, March 02, 2006

Promessas de amor...

O detective John Fresnick deslocou-se ao Stand de vendas de automóveis porque tinha ocorrido algo estranho… inexplicável até.
A empresa de seguros “Accidents will happen” recebera uma participação estranhíssima em que o dono do stand dizia que uma motorizada de alta cilindrada e um descapotável topo de gama tinham sido vandalizados sem ter havido tentativa de roubo. No entanto, chamaram a polícia, e por isso, ele ali estava.

Sabia agora, ao conversar com o dono do stand, que tudo se tinha passado durante a noite, não havia fechaduras forçadas e que quem quer que tivesse feito aquilo tinha-se limitado a fazer bater a motorizada contra o carro sem sequer causar grandes danos. Era tudo muito estranho!!! Talvez a falta de espaço justificasse que a velocidade que a motorizada conseguira adquirir, quando bateu contra o carro, fosse tão pequena e daí os danos serem menores. De qualquer forma, o único suspeito era um empregado que tinha desde sempre mostrado um interesse especial na moto e que, assim que viu o que tinham feito à sua motorizada preferida disse a chorar que ia já tratar de a arranjar.
Tomou conta da ocorrência e nunca mais pensou no caso.
Cerca de 2 meses depois, ia no seu carro calmamente a ouvir rádio quando foi chamado a uma ocorrência correspondente a um acidente na auto-estrada A34. Quando lá chegou verificou que o cenário não era nada bonito. Encaminhou-se para um jovem que estava sentado na berma olhando estupefacto para aquele cenário Dantesco e começou a interrogá-lo.
- Então … é capaz de me descrever o que aqui se passou?
O rapaz gaguejando e parando muito entre cada palavra, lá foi explicando que tudo tinha acontecido rapidamente, quando o condutor da motorizada, inexplicavelmente se tinha ido enfaixar na parte traseira da camioneta, tendo sido a sua cabeça decepada imediatamente e tendo saltado para dentro do descapotável que seguia aí a uns 4 metros atrás. O condutor do descapotável, ao ver a cabeça no banco ao lado do seu, perdeu o controlo e embateu violentamente contra a moto e a camioneta, resultando daí a morte imediata também do condutor do descapotável.
John Fresnick tomou notas de tudo o que o jovem foi dizendo e depois dirigiu-se com alguma repulsa para junto dos destroços onde ainda estavam os corpos e o metal retorcido fumegante. Para seu grande espanto, reconheceu a cara, ou melhor a cabeça, do empregado que entrevistara 2 meses antes no stand e com maior surpresa ainda verificou que a motorizada e o descapotável eram os mesmos que antes tinham sido protagonistas daquele acidente estranho. Fechou o seu bloco de notas e foi para casa. Nessa noite, os seus sonhos foram esquisitos.
Na sucata ouvia-se já há algumas noites, na realidade desde que tinham trazido os restos do terrível acidente, um raspar de metal contra metal e quem se aproximasse bem perto daquele metal retorcido talvez conseguisse ver que a motorizada e o carro formavam 1 só, como aliás tinham prometido um ao outro 2 meses atrás…