Tuesday, January 03, 2006

A bondade recompensada

A jovem senhora parou e abriu a carteira para dar uma esmola ao pobre desfigurado que pedia sentado na berma do passeio. Sem mostrar a aversão que lhe produziam a cara retorcida e mal limpa, as roupas esfarrapadas e mal cheirosas, o braço mal formado, dobrou-se e, com gentileza, colocou na escudela do mendigo uma nota de 5 euros.
Depois, ergueu-se de novo e afastou-se, certa de que tinha feito uma boa acção. Ouvindo um ruído atrás de si, espreitou por cima do ombro e viu o miseravel levantando-se com dificuldade. Pensou, de si para si “Com a esmola que lhe dei deve ir tomar a primeira refeição do dia. Coitado!” E continuou o seu passeio.
Como ouvisse passos na sua direcção, olhou de novo e constatou que o mendigo vinha na sua direcção. Já um pouco perturbada, tentou estugar o passo para ver se chegava a uma zona mais populosa, onde se sentisse mais defendida. Atrás de si, os passos aumentaram, também de velocidade.
Começando a ficar assustada, começou a correr, ao que sentiu o pedinte começar a correr enquanto soltava o que lhe pareciam ser ameaças em voz rouca e mal formada. Já em corrida desabrida, não viu um buraco no passeio, tropeçou e caiu. Aterrorizada, viu, a chorar e sem hipótese de fugir, o mendigo baixar-se na sua direcção e ouviu, novamente aquela voz disforme:
- Minha linda senhora, não precisa de ter medo. Só lhe queria entregar esta fotografia deste rapazinho, que deve ser seu filho, e que lhe caiu da carteira quando fez a gentileza de me auxiliar.

2 comments:

player1331 said...

as aparências iludem :D

D@s Pl3ktrüm-/v\ädch3n said...

As aparências e tudo o resto. Quanto mais conhecemos uma pessoa, mais estranha ela nos parece, mais misteriosos são os segredos que ela esconde por detrás da transparência ilusória do preconceito, da facilidade de julgar, essa prodigiosa "fast-food" do conhecimento que nos livra de perdermos o nosso precioso tempo com... sabe-se lá(quer-se lá saber)o quê. Para que preciso eu de te conhecer? De perceber realmente o que estás a dizer, o que não queres que eu perceba que se esconde por detrás das tuas palavras? Porquê parar? E olhar? Ver?! Bah... ninharias...

Lembro-me de ouvir (um dia) uma colega citar a justificação da mãe para não parar, para não ceder aquelas moedas perdidas no fundo da carteira. Dizia ela que se fôssemos dar uma esmola a cada pobre ou mendigo que encontrássemos na rua, acabaríamos pobres como eles. Não pretendendo criticar nem apontar defeitos ás filosofias de vida de ninguém, segundo a minha, não há que temer a pobreza quando ela já se apoderou de nós. Podemos ter centenas de moedas na carteira, nos bolsos, no banco, debaixo do colchão (quando se trata destas coisas a imaginação parece nunca faltar =P); se por dentro somos absolutamente vazios, nenhum tilintar de moedas pode comprar a nossa felicidade - muito menos a dos outros.