Friday, April 21, 2006

Obra perfeita

- Não, ainda não está pronto! - disse o pintor para grande surpresa do seu grande amigo que achava aquele quadro a maior maravilha que alguma vez tinha admirado. O pintor poisou o pincel com o qual tinha dado mais uma pincelada e afastou-se contemplando a obra. - Não, falta qualquer coisa, mas não sei o quê...
O outro olhava admirado e pensava para consigo mesmo que o artista devia ter razão pois o quadro já lhe parecia perfeito antes desta última pincelada, dir-se-ia que não podia ser melhorado e, no entanto, notava-se a diferença que este último retoque tinha feito. Era mesmo espantoso que um simples gesto com o pincel podesse melhorar tanto uma obra que já parecia ser perfeita...
Pondo de lado aquela obra, como já fizera tantas vezes anteriormente, o pintor dedicou-se a outra pintura em que trabalhava presentemente. O amigo contemplou também essa e achou inegáveis a sua qualidade e a sua perfeição. O artista posou o pincel novamente e disse: - Esta está terminada. O que achas?
- Genial - respondeu o seu amigo - Acho genial. Tivesse eu posses para isso e comprava-a já!
O artista riu-se, feliz com a admiração patente no rosto do outro, arrumou os seus materiais e saíram juntos para almoçar como tinham combinado.
Cenas semelhantes a esta, foram-se passando ao longo dos anos, mudando a obra que terminava, mudando os amigos, mudando os locais, só eram constantes o artista e a obra sempre cada vez mais perfeita e sempre aparentemente impossível de melhorar.
Finalmente, chegou a altura em que, como todos os homens, o artista chegou ao fim da sua viagem. Já com mais de 80 anos, com uma vida bem vivida, uma obra vasta e internacionalmente reconhecida, com meios materias de vulto, amigos e família, querido por todos e feliz, chegou a altura de fechar a conta corrennte com a vida. Só uma obra permanecia por terminar: a sua obra mais perfeita, venerada por todos quantos tinham a oportunidade rara de a ver e que, no entanto, ele não dava por terminada. Ainda faltava uma última pincelada. Já no seu leito de morte, rodeado pela família chegada, os olhos do artista de repente abriram-se desmesuradamente e, com voz entrecortada, conseguiu pronunciar: - Já sei o que falta! Sei qual o retoque final! - E, com estas palavras finais expirou, com um sorriso nos olhos que se espelhava em todo o rosto envelhecido, deixando uma obra perfeita, indescritivelmente bela e valiosa mas, no entanto, inacabada...

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