Tuesday, June 10, 2008

Sinais Divinos

Ezequiel Leal era um bom homem. Bom coração, bons princípios, recto e como se costuma dizer (apesar de parecer absurdo) amigo do seu amigo.
Toda a sua vida vivera convicto de que havia um Deus mas sem se preocupar muito com as regras que os humanos (em nome desse Deus) lhe tentavam impor.
Era casado e tinha 2 filhos de quem gostava muito e com quem tentava passar grande parte do seu tempo, era também muito dedicado à sua esposa sendo na verdadeira acepção da palavra um homem de família.

Tudo se alterou um dia quando após ter comido uma abundante refeição na casa de sua mãe (durante a qual mais uma vez foi bombardeado com toda a religiosidade da mãe e os sinais de Deus para aqui, mandamentos para ali, etc) se sentiu indisposto, com vómitos e após visita ao hospital foi avisado da necessidade de ser operado de urgência ao apêndice.
Quando acordou após a intervenção cirúrgica, acreditou ter tido uma visão de Deus, (que por acaso até era um bocado parecido com o anestesista que o pôs a dormir para a operação) e a partir daí considerou que este acontecimento tinha sido um sinal de Deus.
Este e todos os futuros acontecimentos que representavam alguma estranheza na normalidade da sua vida, foram a partir daí considerados sinais divinos para que se aproximasse mais do que a sua mãe apelidava dos caminhos de Deus.
Por isso, no Verão seguinte quando o seu filho foi atropelado quando estava à espera do autocarro, Ezequiel considerou isto um sinal de Deus para corrigir a sua vida, e apesar de não saber muito bem o que estava a fazer de errado, pensou que se calhar não estava a ser um bom pai e que talvez devesse ser mais ríspido com os seus filhos tornando-se a partir daí um homem mais seco e na realidade menos amado pelos seus 2 filhos.
Quando à sua esposa foi diagnosticado um cancro no estômago Ezequiel considerou que isto era um sinal divino para lhe lembrar que não bastava só ele ser frequentador da igreja, mas que toda a família o deveria ser e por isso convenceu a sua debilitada esposa a ir todos os dias à missa. Esta situação não durou muito tempo porque a mesma faleceu pouco tempo depois não sem antes ter passado todos os dias a queixar-se de como gostaria de fazer uma grande viagem de avião com Ezequiel.
Após várias tentativas de refazer a sua vida com diferentes mulheres (todas elas goradas por um qualquer sinal divino) Ezequiel acabou por se tornar rabugento, infeliz e chato para todos os que o rodeavam.
Com o tempo a ele próprio foi diagnosticado uma doença do foro oncológico que, como sempre, foi assumido como mais um sinal divino para modificar algo na sua vida. O tempo também no seu caso foi escasso e após 6 meses de grande sofrimento, Ezequiel cedeu à doença e faleceu.
Algures no sítio que habitualmente chamamos céu, alguém nada parecido com o anestesista de Ezequiel pensava “Eu fartei-me de lhe enviar sinais para ele perceber que já lhe restava pouco tempo e ele nunca chegou a aproveitar a vida ao máximo… não entendo!!!!”

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