O ladrão tinha sido apanhado e encontrava-se perante todos os adultos disponíveis da aldeia (e muitas crianças) para ser julgado pela comunidade, de acordo com as tradições locais. O oficial da justiça responsável pela sua captura proclamou com a sua voz clara e vibrante:
- Ele foi visto a roubar comida a muitos de vocês. Muitos que até precisavam dela para alimentar a própria família! Não ajudou nas sementeiras ou nas colheitas e não o vimos trabalhar um dia que fosse. Os estatutos da aldeia são claros, deve ser despojado de todos os seus bens, expulso sem levar mais do que a roupa que tiver sobre o corpo. Todos os que estão de acordo levantem o braço.
E todos levantaram o braço.
Perante aquela raiva surda e unânime, o ladrão encheu-se de coragem, ergueu a cabeça e falou, com voz pouco clara mas decidida:
- Pois se me condenam, ouçam o que tenho a dizer. Quantos de vocês podem afirmar que nunca os ajudei, que nunca fui prestável? Levantem o braço, se faz favor.
E muitos braços se levantaram, apesar de haver alguns que, embaraçados, mantiveram o braço baixo.
- E quantos de vocês nunca passaram noites na praça central a ouvir-me tocar a minha guitarra, cantando comigo para se alegrarem ou para exprimirem a tristeza que vos ia no coração? Levantem os braços, por favor!
De novo se viram braços no ar mas o número de aldeões que olhavam para o lado algo embaraçados e de braços em baixo aumentou.
- Quem de entre vós nunca procurou o meu conselho e o seguiu com bons resultados? Braços para cima!
Novamente se viram braços no ar, mas o número parecia diminuir com cada pergunta.
- E nos últimos tempos, quando a minha mulher esteve doente, quantos de vocês me ofereceram ajuda para tratar dela? Vá, ergam os braços.
Ainda se viram uns braços no ar, mas pareciam perdidos na multitude de pessoas que olhavam para os pés, como se lhes custassse olhar uns para os outros.
Já com as lágrimas nos olhos o ladrão continuou.
- E quantos de vocês foram comigo ao funeral da minha querida esposa quando ela se foi? Quero ver se alguém se manifesta! Vá, levantem os braços se forem capazes!
Nem um só braço se levantou e até o oficial olhava atrapalhado para as mãos, como se não as reconhecesse.
Com a voz embargada pelo desespero, o ladrão terminou.
- Vá, exilem-me, também já aqui não há nada para mim! Vocês foram um dia meus amigos, ofereceram-me a vossa comida e a vossa bebida mas quando eu tentei fazer uso da vossa oferta chamaram-me ladrão e querem expulsar-me!
E cruzando os braços deixou um pequeno relance do homem orgulhoso que fora fulgir nos seus olhos e acrescentou:
- E quantos de vocês têm vergonha do mal que fazem?
E todos levantaram os braços...
Wednesday, June 14, 2006
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