Tuesday, June 27, 2006

As gotas de chuva

Lá fora a chuva caía. Distraidamente olhei pelo vidro da janela para as gotas que tombavam e traçavam padrões sobre o vidro. Desde pequeno que gostava de contemplar a chuva e os desenhos que esta criava.
De repente, pareceu-me reconhecer um padrão sobre o vidro. Curioso, aquele desenho, ao invés dos restantes, não se parecia dissolver nas gotas que caíam mas sim reforçar-se. E fazia-me recordar qualquer coisa... Concentrei-me mais naquela imagem e nas memórias que quase invocava, pondo de lado, completamente, o trabalho. Já me estava a lembrar... era criança, tinha os meus seis anitos, quando tinha visto este mesmo padrão formado pela chuva sobre uma outra janela. A imagem tinha-me marcado muito por qualquer razão que nem na altura nem agora compreendia.
Concentrei-me mais ainda, tentando trazer à lembrança aquela época da minha vida. Lá estava, lembrava-me de tudo perfeitamente, como se fosse hoje. Curiosamente feliz por me lembrar, olhei casualmente para a minha mão e constatei surpreso que estava muito pequena, sem rugas, uma mão de criança. Olhei para o que me rodeava e vi que, enquanto me abstraía de tudo para me concentrar na chuva, o ambiente que me rodeava tinha mudado drasticamente. Eu próprio tinha mudado drasticamente! Era uma criança de novo.
Claro que estava a sonhar, mas era um sonho tão bom! Durante meia-hora voltei a viver a minha vida de criança, tão feliz e sem problemas. Enquanto isso, o padrão criado pela chuva continuava na janela.
Quando estava quase a terminar a meia-hora, o padrão começou a dissolver-se. Penalizado, olhei para ele. Era um padrão tão bonito, tão agradável, não queria que se fosse embora. Quando se desvanecera completamente e descolei os olhos da janela olhei em volta e tudo mudara outra vez. Era, de novo, um homem, com os problemas dos adultos e a amargura que só a vida pode trazer. Devia ter estado a sonhar... no entanto, o sonho fora tão real, fora tão bom!
Ainda zonzo com o prazer de me ter sentido criança de novo, olhei para a secretária e verifiquei, espantado, que sobre ela se encontrava um brinquedo que reconheci de imediato: era o meu carrinho favorito, o qual tinha perdido num dia chuvoso quando tinha seis anos e nunca mais voltara a encontrar! Verdadeiramente abismado, pensei se teria sido tudo verdade. Teria eu voltado aos meus tempos de criança durante meia-hora? Que outra explicação poderia haver? Mas isso era impossível!
Ainda hoje não sei o que se passou, mas a verdade é que cada vez que chove procuro avidamente uma janela e tento descortinar aquele padrão mágico para recuperar a minha infância por mais uns instantes. Infelizmente, nunca mais o vi, mas continuo a tentar...

1 comment:

fairy dust said...

Quando eu era criança sentava-me nas costas do sofá e observava as gotas de chuva a deslizar pelo estendal. Nessa altura eu pensava que elas seriam como os animais na selva, a lutar pela sobrevivencia, enquanto as maiores engrossavam ainda mais quando engoliam as pequenas...Agora olho para a chuva a cair e entristeço-me...gostava muito de ser criança outra vez.

Um post muito bonito, aliás como o resto do blog.