As cerca de 120 pessoas que se encontravam no anfiteatro AM1 a assistir ao seminário "Diagnóstico médico em situações limite", ficaram boqueabertas com o "quase" grito que ouviram - "Herpes", surgido algures de uma das últimas filas.
O orador, o conceituadíssimo Dr. Seymour O-Fiu, reagiu perante a resposta que tinha sido "gritada" face à sua pergunta dizendo - Por favor levante-se e repita o que disse.
O visado, um aluno do 4º ano de medicina daquela universidade, estava ainda a levantar-se com a ajuda de um colega e aparentava ter acabado de acordar. Na audiência toda começou a ouvir-se um murmurio "é o Soneca... é o Soneca".
O rapaz repetiu então, com um ar já desperto, "Herpes Simplex tipo 1" o que causou uma enorme gargalhada na assistência que não estava a ver como é que aquele maluco conseguia relacionar uma garganta inflamada, febre, tonturas, alterações comportamentais, paralisia e alucinações e finalmente a morte de um paciente com Herpes.
O Dr. O-Fiu, pediu então ao rapaz que se identificasse e concluisse o que o tinha levado a fazer um diagnóstico tão estranho.
O rapaz, de seu nome Filipe, respondeu que (apesar de não se lembrar totalmente porque estava ligeiramente distraído) no inicio da apresentação dos sintomas tinha ouvido falar de borbulhas, e sabia que o Herpes pode por vezes migrar para o cérebro a partir por exemplo da cavidade nasal, podendo causar uma encefalite que pode apresentar os sintomas descritos e resultar em casos extremos na morte do paciente.
Algures de uma das primeiras filas do anfiteatro alguém disse - "estavas ligeiramente distraído!!! diz antes... estavas a dormir!!! É sempre a mesma coisa".
No entanto, para grande espanto de todos, o Dr. O-Fiu anuiu com a cabeça e disse:
- absolutamente correcto. Nunca pensei que alguém nesta sala soubesse responder. Por favor venha ter comigo no fim do seminário que eu gostaria de falar consigo.
Posto isto continuou a sua palestra, diluindo aquela ocorrência nas doses maciças de informação que foi fornecendo a seguir.
Somente Filipe e João o seu fiel colega (que o tinha ajudado a despertar quando O-Fiu o tinha interpelado) é que ficaram em pulgas para saber o que se iria passar a seguir. Bom, na realidade foi mesmo só João que ficou em pulgas, porque Filipe rapidamente voltou a adormecer.
Esse foi o primeiro sintoma de que Filipe possuia um dom para diagnosticar casos dificeis.
Com o passar dos 4 anos seguintes Filipe e João foram fazendo o mesmo percurso académico e profissional, frequentando as mesmas aulas, seminários e trabalhando nos mesmos hospitais. Eram hoje grandes amigos e colegas no hospital do Barlavento Algarvio, onde exerciam a sua profissão de médico.
Por várias vezes João tinha confirmado que Filipe tinha uma habilidade especial para fazer um diagnóstico dificil, e tinha também correlacionado esse acontecimento com o facto de isso acontecer sempre quando ele estava num estado de sonolência bastante acentuado, ou estava mesmo a dormir. A forma como acontecia era invariavelmente a mesma. Ele ouvia os sintomas (ou alguns deles) enquanto ainda estava a adormecer e depois devia ficar a pensar em tudo aquilo enquanto dormia e se por qualquer razão acordasse sobressaltado, a 1ª coisa que dizia era o diagnóstico correcto para o paciente em causa. Isto acontecia invariavelmente e no hospital até lhe chamavam ternamente Dr. Soneca. Mas como é óbvio esta condição dava-lhe um status algo único naquele hospital.
Apenas pacientes com doenças raras e cujo diagnóstico era dificil se deslocavam à ala 3B do piso 4 do hospital, onde uma série de médicos (um dos quais João) faziam um apanhado de todos os sintomas e queixas do paciente, mandavam fazer as análises que achassem necessárias, e só no caso extremo de não conseguirem obter uma resposta é que se dirigiam à porta onde estava escrito "Director da Unidade de Diagnóstico - Dr. Filipe A. Mendes".
Invariavelmente quando isto acontecia, quem se dirigia ao gabinete do director era João, que por isso mesmo já tinha ganho a designação de "sub-director", que começava por acordar Filipe (que geralmente estava a dormir). De seguida dirigia-se à aparelhagem sonora que estava instalada no gabinete e recorrendo a músicas criteriosamente escolhidas induzia em Filipe uma sonolência crescente enquanto ia lendo todos os sintomas e relatando todos os resultados já obtidos até verificar que Filipe já estava a dormir. Depois esperava um pouco e acordava-o de um modo brusco e ...zás... diagnóstico feito.
Para Filipe, este era o emprego perfeito, apenas se queixava quando João não o conseguia acordar de um modo brusco à 1ª ou 2ª tentativa e recorria à força bruta para o acordar. Isso estava a tornar-se cada vez mais frequente, provavelmente por causa da idade, e a sua cara já estava bem marcada das chapadas e socos que levava para acordar, mas enfim... fazia tudo parte do trabalho. E verdade seja dita, nem toda a gente pode dormir em serviço.
Wednesday, September 17, 2008
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