Guilherme era um homem que vivia uma existência banal. Operava um aparelho altamente especializado que mais ninguém na fábrica de CD’s sabia operar e talvez por isso não era propriamente uma pessoa muito popular entre os colegas de turno.
Na realidade sentia-se quase invisível entre os restantes trabalhadores de toda a empresa. Bom… excepção feita ao seu bom amigo Eduardo, aliás neste caso poder-se-ia dizer quase que o caso era oposto. Apesar de trabalharem em partes diferentes da fábrica, encontravam-se à hora do almoço e nas pausas para o café (nunca mais de 10 minutos… regras da casa) para falarem um pouco sobre tudo e sobre nada, como na realidade só 2 bons amigos fazem.
Neste dia porém, durante a operação de prensagem do último CD da Brandi Carlile a prensa que operava encravou e quando Guilherme (sentado ao painel de controlo do equipamento mas desatento a ouvir algumas músicas do CD que estavam a produzir) actuou era já tarde demais. Na tentativa de resolver o problema o homem inclinou-se para dentro da prensa com esta ainda em funcionamento e a sua cabeça ficou parcialmente encravada na prensa sofrendo uma pressão tão intensa que Guilherme desmaiou não sem antes conseguir parar o equipamento.
Passados alguns minutos, recobrou a consciência sentindo no entanto uma enorme dor de cabeça e verificou que a prensa estava novamente a funcionar aparentemente sem nenhuma anomalia a registar. Acabou aquele ciclo de produção. Anotou tudo o que achou pertinente no livro de turno optando no entanto por ocultar a pequena ocorrência com a prensa.
A partir daqui esta história está dividida em 2 perspectivas diferentes a do Guilherme em 1º lugar e a dos outros intervenientes em qualquer um dos instantes marcadas com números. É esquisito eu sei, mas aguentem só um pouco mais para me poderem dar a vossa mais sincera opinião.
Foi para os vestiários mudar de roupa e como já era costume passou por toda a gente presente sem que uma só pessoa o parecesse ver. Novamente aquela sensação de ser invisível o invadiu e por isso decidiu ir ter com o seu bom amigo Eduardo e falar-lhe sobre isso. A caminho do extremo oposto da fábrica para ir ter com Eduardo cruzou-se com este que seguia num carro com outro colega de trabalho e que praticamente o atropelava, sem sequer reparar que era ele (0) .
- Que raio… murmurou Guilherme – será que não me viu? Devo ser invisível… não?
Esta ideia e este sentimento estavam a ser recorrentes e isto assustava-o. Agora então com este último acontecimento é que ficou mesmo baralhado. Estaria mesmo invisível? Teria acontecido algo de inexplicável durante o acidente com a Prensa?
Saiu da fábrica dizendo um até amanhã como fazia todos os dias ao qual o segurança respondeu com um silêncio absoluto como aliás fazia todos os dias. Desta feita Guilherme foi até ao vidro da pequena cabine do guarda e bateu no vidro para chamar a sua atenção. No entanto este gesto não provocou nenhuma reacção no guarda. (1)
Guilherme bateu outra vez com força no vidro e levantou os braços para chamar a atenção do guarda, mas este nem sequer reparou nos gestos de Guilherme que acabou por se ir embora (2) .
Estava cada vez mais baralhado com tudo aquilo e cada vez mais se sentia invisível perante o mundo e as pessoas.
Entrou no centro comercial que ficava perto da fábrica e ao passar pela loja de informática lembrou-se que hoje era um dia especial porque ia comprar uma impressora nova para a sua filha. Ao entrar na loja embateu com força contra um homem que estava de saída, mas este nem sequer pareceu notar (3) .
Dirigiu-se ao local onde supostamente estaria a impressora que queria comprar. Era uma caixa enorme e por isso pediu ajuda a um dos colaboradores da loja para a carregar até à caixa, mas mais uma vez o homem pareceu ignorá-lo nem sequer lhe dirigindo a palavra (4) . Gritou com ele mas foi absolutamente inútil pois o homem continuava a não o querer ouvir. Irritadíssimo com tudo isto e com a enorme fila de pessoas nas caixas tradicionais, optou por fazer a compra na caixa automática tratando ele de fazer o pagamento e tudo o resto.
À saída, ouviu o alarme na caixa da impressora disparar e pensou desta vão ver-me… ou então estou mesmo invisível. Perante a falta de reacção do segurança ao apito ensurdecedor e à luz vermelha do alarme chamou uma data de nomes ao guarda que olhou algures na sua direcção com um sorriso na cara (5) .
Ok, pensou estou mesmo invisível. Desmoralizado e já convencido que estaria invisível entrou no autocarro que o levava até casa. Nem sequer mostrou o título de transporte. O motorista nem sequer pestanejou na sua direcção, em vez de começar logo a resmungar com quem não mostra o passe ou bilhete como era habitual(6) .
Saiu na paragem mesmo à porta de casa, subiu o lance de escadas imaginando o que seria entar em casa sem ninguém o ver, mas assim que pôs a chave à porta, ouviu dizer.
- Papá… papá
Para grande espanto seu afinal alguém o via, a sua pequenita sabia que ele existia e conseguia vê-lo. Abraçou-se a ela como nunca tinha feito, deixando cair a caixa da impressora, o que fez que a sua mulher viesse também preocupada com o barulho, ver o que se tinha passado. Quando o viu dirigiu-se a ele e beijou-o longamente como só ela sabia fazer.
Ela apercebeu-se que algo não estava bem, quando verificou que ele tentava falar com elas movimentando apenas a boca para tentar atabalhoadamente contar como se tinha tornado invisível nesse dia.
Após uma consulta no médico verificaram que a única consequência do acidente com a prensa tinha sido o facto de Guilherme ter ficado amnésico e ter esquecido o que dizia respeito ao facto de ser mudo e portanto esquecia-se de comunicar com as pessoas gestualmente.
(0)Eduardo afirma a pés juntos que estava a falar com o colega sobre as novas
músicas do CD e que nem reparou em ninguém a caminhar na estrada.
(1)O guarda da fábrica continuou a ler o jornal e a ouvir a cópia pirata que já tinha conseguido fazer do CD da Brandi Carlile nos seus “headphones” escondidos debaixo da farta cabeleira.
(2)O guarda estava tão compenetrado na audição do CD e tão contente a pensar na sorte que era fazer o serviço numa fábrica de CD’s e poder obter cópias piratas dos CD’s da moda sem trabalho nenhum, que nem prestava atenção ao que se passava na entrada da fábrica e o som dos headphones estava suficientemente alto para que não ouvisse nada mais.
(3)O homem tinha acabado de roubar um mp3 da loja, tinha-se apercebido que estava a ser vigiado e queria era sair dali o mais rapidamente possível .
(4)O colaborador não conseguia ouvir nada porque o som das aparelhagens na zona de Hi-Fi da loja estava altíssimo e além disso estava-se bem a borrifar para o que lhe pudessem dizer nesse momento... tinha acabado de receber um telefonema da mulher a dizer que queria o divórcio e não conseguia deixar de pensar nisso.
(5)Na realidade o guarda sabia que todo o santo dia os alarmes da loja tinham estado a funcionar mal e por isso não achou estranho ver Guilherme a gesticular e falar, apesar de não conseguir ouvir nada por causa do malfadado alarme sorriu educadamente porque o cliente tem sempre razão.
(6)O motorista do autocarro 764 estava completamente vidrado no decote da menina que estava segura ao poste do obliterador de bilhetes e que ainda por cima parecia sorrir para ele cada vez que os seus olhares se cruzavam. Por isso queria lá saber dos gajos que entravam sem bilhete, o que ele estava era já a pensar que hoje estava com sorte e já tinha onde ir dormir
Friday, October 03, 2008
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