Wednesday, January 14, 2009

Um último mergulho




Via-se pelas feições que a mulher que estava a falar, devia ter sido muito atraente quando nova. Com uma voz doce e melodiosa perguntou – “O que queres em troca?”
Pedro respondeu prontamente – “Um último mergulho”
A mulher abanou a cabeça em sinal de negação ao mesmo tempo que lhe dizia que isso não podia ser.
Ele insistiu – Vá lá… um último mergulho.
Ela momentaneamente reviu toda uma vida e todos os acontecimentos que os tinham trazido até ali.
O modo como Pedro se tinha iniciado na arte de pescador de pérolas quando para a salvar de um afogamento certo mergulhou e permaneceu debaixo de água por mais de 2 minutos até conseguir avistar o corpo dela. Com esta descoberta veio a noção de que poderia mergulhar e suster a respiração durante tempo suficiente para apanhar as tão desejadas pérolas.
Recordou como depois, a saúde de Pedro se tinha degradado com os longos períodos de apneia, e o modo como as descompressões mal feitas tinham resultado num estado de semi-senilidade.
Recordou também o dia em que lhe foi negado definitivamente o direito de mergulhar após o “enésimo” mergulho em que teimava ter visto uma sereia no fundo do mar e tentava a todo o custo que quem com ele mergulhava ficasse lá em baixo à espera para ver a sereia.
A alucinação recorrente foi ignorada durante algum tempo porque Pedro era sem sombra de dúvida o melhor pescador de pérolas da região. Mas após alguns sustos que os outros pescadores apanharam, quando Pedro os agarrava e tentava manter debaixo de água para que pudessem ver a sereia, foi proibido de mergulhar.
E recordava um passado bem recente em que apenas ela visitava Pedro e ficava com ele ajudando nas tarefas do dia a dia. Ele em sinal de agradecimento fazia questão de lhe dar pequenas pérolas, quase sem valor, que se encontravam espalhadas por toda a cabana.
Nesse dia cedeu. Não sabia muito bem porquê.
Seria pelo brilho no olhar de Pedro ? Seria pela melodia que ele entoara enquanto ela lhe fazia a cama? Seria pelo abraço apertado que ele lhe dera? Seria pelo beijo ardente que só ele sabia dar? Ou seria apenas porque já estava cansada de todos os dias o ouvir pedir que o ajudasse a realizar o seu último desejo de mergulhar? O que quer que fosse… foi. E ela cedeu.
Por isso, nesse dia combinou com Pedro que ao entardecer iria com ele até à praia e que mergulharia com ele. Teria que ser um mergulho curto e não muito profundo porque ela não tinha a mesma capacidade de reter a respiração que ele (que apesar de já estar muito debilitado, era ainda capaz de estar pelo menos 1 minuto sem respirar).
À hora combinada subiram os dois para a rocha mais afastada da praia, local de onde Pedro se costumava lançar quando ia pescar pérolas. Saltaram e mergulharam na água fria.
Pedro levou-a a ver o seu local favorito debaixo de água, nadando entre plantas aquáticas e corais. Finalmente quando se apercebeu que estava a chegar a altura em que deveriam sair da água (cerca de 1 minuto) fez-lhe sinal com o polegar indicando que deveriam começar a subida para a superfície.
Quando olhou para Pedro com o polegar esticado indicando a superfície, ela não o viu a ele, mas viu um ser esbelto, com tronco de homem e cauda de peixe que lhe sorria, um tritão… e foi ela que o agarrou e o puxou para baixo para poder ficar com ele.

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