Esta é a história de Diogo Elefante conhecido como o flautista de Almeirim.
Diogo era um pacato morador da pacata cidade de Almeirim. Não tinha muitos amigos e quando refiro amigos estou mesmo a referir-me a amigos e não amigas, porque nesse campo Diogo era muito diferente.
Desde cedo tinha verificado que as mulheres (neste caso as miúdas porque tal como atrás referi começou mesmo muito cedo) ficavam quase como que hipnotizadas quando ele começava a falar. Não sabia se era o timbre da sua voz, a cadência musical com que soltava as palavras, o cuidado com a utilização da palavra certa na altura certa, ou uma mistura de todos estes factores, mas o que era certo é que Diogo encantava todas as mulheres com quem falava.
Cedo verificou que exercia um poder muito especial sobre as pessoas do sexo oposto e também cedo o começou a utilizar. Mas a primeira vez que teve a certeza deste dom foi no dia em que distraído albaroou o carro da Maria da Padaria que andava a fazer a distribuição do pão. Rápidamente tinha saído do carro e perante a enorme enxurrada de asneirada que ela tinha começado a soltar ele respondeu apenas...
- peço muita desculpa, mas foi esta a única maneira de conseguir!!!
a Maria da Padaria parou uns segundos para perguntar
- conseguir o quê?
e ele inpiradamente respondeu
- a única maneira de poder olhar para esses lindos olhos sem ser tão ao longe, a maneira de poder contemplar tão belo rosto sem ser através de um vidro sujo e poeirento, a maneira de poder estar perto que chegue para sentir o doce aroma da massa do pão entranhada na tua pele.
a Maria da Padaria ficou sem fala e ficou logo embeiçada por todo aquele charme e maneira bonita de falar. Esqueceu a batida no carro e até foram namorados durante alguns meses.
Esta tinha sido a primeira vez que tinha percebido que tinha um jeito especial.
Desde aí desenvolvera ainda mais o jeito para lhes dar a volta e com o passar do tempo foi criando muitos inimigos entre os seus ex-amigos porque não havia nenhum que gostasse de ver a sua própria esposa ou namorada toda embeiçada por Diogo.
Por isso, tornou-se um solitário e acabou por emigrar para Lisboa onde teve durante vários anos aberto um negócio de agência de detectives que tratava apenas de casos de infidelidade. Tinha uma taxa de sucesso de 100% de casos resolvidos, porque mesmo quando não havia infidelidade de uma esposa para com o marido passados poucos dias após ele entrar no caso já a esposa era infiel ao marido enganado-o pelo menos com o bom do Diogo.
Este negócio granjeou-lhe o nome de Flautista de Almeirim porque por analogia com o personagem do conto “Flautista de Hammelin” que conseguia encantar os ratos, Diogo Elefante encantava todas as mulheres não tocando flauta, mas apenas falando com elas.
Passados alguns anos, o envolvimento sentimental com membros da classe política obrigou-o a acabar com a agência de detectives e dedicar-se ao teatro. Ao fim de uns tempos decidiu deixar Lisboa e voltar para Almeirim onde habita agora numa casinha modesta e exerce a profissão de pastor.
Existem ainda hoje em dia pessoas que afirmam que coisas muito estranhas se passam naqueles terrenos onde Diogo Elefante costuma levar o seu rebanho a pastar. Uns dizem que ele conseguiu aprender como encantar também os animais (fêmeas) com a sua fala. Outros dizem que ele continua apenas a encantar as mulheres e que vai mantendo encontros furtivos com quase todas as mulheres das redondezas. Outros há, que dizem que ele agora até já encanta homens (e que os problemas em Lisboa começaram não com sarilhos com mulheres, mas sarilhos com um tal José Aristóteles)... eu cá não sei, mas se por acaso tiver que me deslocar para "essas bandas" vou ter muito cuidado para não me cruzar com o Flautista de Almeirim.
Friday, July 18, 2008
Friday, July 11, 2008
Momento perfeito
O meu velho relógio de pulso tinha parado nas 10h59m. Já o tinha sacudido uma ou 2 vezes sem resultado e por isso decidi levá-lo ao velho relojoeiro que vivia 2 portas ao lado da minha casa. Tinha fama de louco mas era muito simpático e cortês com toda a gente. Tipicamente um velhote doutros tempos, era um pouco como se ele próprio tivesse parado no tempo.
Quando lhe apresentei o relógio o velhote sorriu e disse, mesmo sem inspeccionar o mecanismo:
- este já não volta a funcionar. Faça o que fizer, não compre um desses malvados relógios electrónicos.
Pensei que a observação se prendia com o desejo do velhote em manter a sua loja aberta de modo a poder garantir o seu próprio sustento, mas acima de tudo estava bastante indignado com ele por fazer logo o vaticínio de que o relógio já era, sem sequer o abrir. Por isso, aborrecido perguntei ao velhote como é que ele podia ter tanta certeza. O homem olhou para mim e disse
- eu fico-lhe com o relógio e dou-lhe um novo. Com gentileza pegou no meu relógio e colocou-o numa gaveta onde estavam à vontade mais uma centena de relógio parados e ao poisar o relógio carinhosamente no veludo que forrava a gaveta disse
- mais um que conseguiu… é tão raro e tão bonito…
Fiquei deveras surpreso com a frase do velhote e perguntei–lhe o que queria dizer.
Ele explicou-me então que tal como o meu relógio todos os outros que estavam na gaveta eram abençoados porque tinham conseguido chegar à felicidade total. Pensei de mim para mim que a fama do velhote era merecida afinal … era mesmo louco. Não estava era preparado para o que vinha a seguir…
O velhote mostrou-me um por um os relógios da gaveta, enfatuando o facto de todos terem os ponteiros um em cima do outro, todos tinham o ponteiro das horas sobre o dos minutos. O homem passou então a explicar…
- já imaginou o que era estar apaixonado por uma rapariga e durante todo o dia estar ao pé dela, vê-la…, mas apenas poder estar com ela cerca de meio minuto ou melhor 24 segundos. Pois é meu amigo… é o que acontece aos relógios, imagine você que é o ponteiro dos minutos e que a sua amada é o das horas e verá que é verdade o que lhe estou a dizer.
Fiquei a olhar estupefacto para o velhote, que terminou então dizendo
- todos estes conseguiram ser felizes… para estes acabaram-se os encontros fugazes conseguiram o momento perfeito… e por isso vão ficar juntos para sempre. Claro está que se você for perguntar a qualquer relojoeiro de hoje em dia, ele dir-lhe-á que pararam naquele instante provavelmente porque os ponteiros sofreram uma pequena pancada e o atrito entre um e o outro não os deixa movimentar como deve ser, mas isso são explicações da treta.
Olhei para o velho relojoeiro, que agora me parecia muito menos louco do que anteriormente e desde esse dia ando sempre à procura do momento perfeito.
Quando lhe apresentei o relógio o velhote sorriu e disse, mesmo sem inspeccionar o mecanismo:
- este já não volta a funcionar. Faça o que fizer, não compre um desses malvados relógios electrónicos.
Pensei que a observação se prendia com o desejo do velhote em manter a sua loja aberta de modo a poder garantir o seu próprio sustento, mas acima de tudo estava bastante indignado com ele por fazer logo o vaticínio de que o relógio já era, sem sequer o abrir. Por isso, aborrecido perguntei ao velhote como é que ele podia ter tanta certeza. O homem olhou para mim e disse
- eu fico-lhe com o relógio e dou-lhe um novo. Com gentileza pegou no meu relógio e colocou-o numa gaveta onde estavam à vontade mais uma centena de relógio parados e ao poisar o relógio carinhosamente no veludo que forrava a gaveta disse
- mais um que conseguiu… é tão raro e tão bonito…
Fiquei deveras surpreso com a frase do velhote e perguntei–lhe o que queria dizer.
Ele explicou-me então que tal como o meu relógio todos os outros que estavam na gaveta eram abençoados porque tinham conseguido chegar à felicidade total. Pensei de mim para mim que a fama do velhote era merecida afinal … era mesmo louco. Não estava era preparado para o que vinha a seguir…
O velhote mostrou-me um por um os relógios da gaveta, enfatuando o facto de todos terem os ponteiros um em cima do outro, todos tinham o ponteiro das horas sobre o dos minutos. O homem passou então a explicar…
- já imaginou o que era estar apaixonado por uma rapariga e durante todo o dia estar ao pé dela, vê-la…, mas apenas poder estar com ela cerca de meio minuto ou melhor 24 segundos. Pois é meu amigo… é o que acontece aos relógios, imagine você que é o ponteiro dos minutos e que a sua amada é o das horas e verá que é verdade o que lhe estou a dizer.
Fiquei a olhar estupefacto para o velhote, que terminou então dizendo
- todos estes conseguiram ser felizes… para estes acabaram-se os encontros fugazes conseguiram o momento perfeito… e por isso vão ficar juntos para sempre. Claro está que se você for perguntar a qualquer relojoeiro de hoje em dia, ele dir-lhe-á que pararam naquele instante provavelmente porque os ponteiros sofreram uma pequena pancada e o atrito entre um e o outro não os deixa movimentar como deve ser, mas isso são explicações da treta.
Olhei para o velho relojoeiro, que agora me parecia muito menos louco do que anteriormente e desde esse dia ando sempre à procura do momento perfeito.
Tuesday, July 08, 2008
O Coleccionador de borboletas
Daniel era um homem triste, solitário, revoltado. Não falava muito com ninguém, nem com a sua esposa que era agora a única pessoa que ainda orbitava no seu mundo.
A sua paixão eram as borboletas. Tornara-se coleccionador de borboletas havia mais ou menos 5 anos logo após a fatídica morte do seu filho.
Nos dias a seguir ao estúpido acidente (com um aparelho de asa delta motorizado) que tinha vitimado o seu filho de 16 anos, Daniel tinha-se encerrado num mutismo apenas quebrado para gritar revoltado com os designios do Deus em que acreditava (agora cada vez menos).
Passado algum tempo sem saber muito bem porquê, mas acreditando que era uma espécie de homenagem ao seu filho cujo maior sonho era voar, Daniel começou a nutrir um especial encanto por borboletas e com o passar do tempo tornou-se um verdadeiro conhecedor e coleccionador.
Nesse dia estava a caçar borboletas para os lados de Viseu, relativamente perto do local onde se dera o acidente que envolvera o seu filho. Caminhava pelo campo naquele dia solarengo levantando a cada passo seu dezenas de borboletas, que com o seu olhar conhecedor identificava ... “olha uma Almirante Vermelho... e ali uma Rabo de Andorinha... oh oh oh, aquela ali parecia mesmo uma Flambeau, mas aqui não estava à espera de ver uma menina destas...”.
Enquanto ia andano distraido, reparava pelo canto do olho esquerdo (num gesto tantas vezes repetido durante a caça à borboleta) num exemplar que parecia segui-lo. Não o conseguia reconhecer, mas também ainda não tinha olhado directamente para ela uma vez que estava a estudar o comportamento estranho da borboleta que o seguia sem o largar.
Quando pôde parou e virou-se de repente para ver a borboleta. Era um exemplar bastante grande com umas asas de um amarelo esbatido onde havia traços pretos que formavam uma imagem que não conseguia distinguir com o bater das asas, mas que não se parecia com nada que tivesse visto antes.
A borboleta parecendo adivinhar que estava a ser observada, poisou sobre uma folha bem perto de Daniel e abriu as asas de par em par, e aí o mundo de Daniel desabou completamente. Nas asas da belissima borboleta estava desenhada nada mais nada menos do que uma gravura perfeita da face do seu filho. Daniel sentiu-se desfalecer, mas segurando-se a um tronco de árvore que estava por perto ficou a fitar a gravura que estava na sua frente. As lágrimas corriam pela sua face enquanto estendia devagar as mãos para a borboleta como que para lhe fazer uma festa.
A borboleta levantou voo, sem no entanto voar para muito longe e voltou a poisar mostrando em todo o seu esplendor de novo as suas asas abertas.
Daniel pensou então que tinha que ficar com aquele exemplar para o poder ver todos os dias na caixa onde a iria colocar. Embalsamava-a e assim poderia mostrar a todos que não estava louco.
Preparou a rede e quando já estava em posição de a apanhar apercebeu-se que a borboleta ao fechar um pouco as asas como estava a fazer agora, alterava os traços de modo a que aquilo que era antes uma imagem da face alegre do seu filho, era agora uma cara triste que este fazia. Nesse instante percebeu que algumas coisas são para se deixarem ir e poisou a rede soprando levemente para a borboleta um “adoro-te” que a fez levantar...
Nunca mais viu um exemplar igual, mas também... não era preciso...
Deixou-se de colecções e começou a dar importância a coisas mais importantes.
Sunday, July 06, 2008
Saber sempre o seu lugar
O ruído dos pneus do carro dos Silva era o sinal que todos os dias a vinha acordar para a triste realidade… “tinha que se ir embora…sair”.
Sacudiu o gato que descansava nos seus braços, companheiro de todos os anoiteceres naquela casa.
Sabia o caminho da saída tão bem como o caminho da entrada e nunca esperava que a pusessem fora. Orgulhava-se sempre de dizer que saíra pelos seus pés e sabia sempre qual era o seu lugar. Por muito que lhe custasse agora tinha que sair dali não a podiam ver.
E mais uma vez, nesse dia como em todos os outros, a Escuridão saiu da casa dos Silva no preciso instante em que a Srª Silva acendeu a luz.
Wednesday, July 02, 2008
O Homem Espelho
João Neves era um bebé normalissímo. Nasceu com 3,526 Kg, 50 cm de comprimento, enfim... tudo dentro do esperado. Apenas a sua mãe tinha notado uma pequena diferença, mas que na altura nem sequer atribuiu a nada especial é que João visto de relance parecia reflectir a luz.
Aos 10 anos era já evidente a diferença desta criança, chamavam-lhe os amigos “o espelhinho” porque João tinha desenvolvido uma coloração prateada na pele.
Aos 15 anos era um adolescente muito diferente dos outros, adorado por uns e odiado por outros, com ele não podia haver indiferenças, é que João agora alcunhado “Mirrorman” reflectia a luz, as imagens, tudo... de uma forma selectiva. Era um autêntico espelho. que reflectia o bonito ou o feio de cada um consoante o seu próprio estado de espírito.
Muito cedo descobriu que este dom podia ser uma benção, mas também uma maldição.
Era rara a miúda por quem ele se apaixonasse que não acabasse também por ele apaixonada, porque no fim de contas quando estava com ela, sentia-se bem e reflectia apenas a parte mais bonita dela e isso quando conversavam era muito bom para a rapariga que se sentia ainda mais bonita. Em contrapartida era difícil manter uma conversa com alguém com quem antipatizasse porque muito rapidamente o reflexo do lado mais obscuro dessa pessoa criava um ambiente muito deprimente e escuro que tornava a sua presença quase insuportável.
Com a idade começou a tornar-se uma pessoa cinzenta. Cinzenta de cor e cinzenta de espírito, uma vez que apenas reflectia imagens esborratadas das pessoas que com ele interagiam. Muito preocupado com este estado foi ao médico que não teve grandes dificuldades em anunciar a causa de tal mal. João estava a sofrer o que nos espelhos corresponde à perda da camada prateada por trás do vidro. Era uma doença sem cura e o fim era também já o esperado. Com o tempo João tornou-se transparente e a sua existência acabou por deixar de fazer sentido.
Um dia foi albaroado por uma moto 4x4 conduzida por um “teenager” inconsciente que andava a fazer habilidades à beira da água numa praia de nudistas.
Nunca ninguém deu pelo seu corpo que acabou por ser levado pelas ondas do mar e o “depositaram” no fundo do mar até se decompor completamente e deixar de existir.
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