Tuesday, March 24, 2009

Quantos queres???




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Encostado a uma parede, João esperava na fila para o centro de emprego. Esperava a sua vez para, uma vez mais, recorrer ao subsídio de desemprego.
Naquele instante saiu do centro de emprego um homem atarracado, careca e que parecia não tomar banho pelo menos há uma semana, que praguejava contra o governo
- É sempre a mesma treta. Este governo está a arruinar o país. E quem é o culpado?… É o Sócrates claro. Sim… Sim!!!
Ao passar por João interpelou-o perguntando-lhe se ele também tinha ficado desempregado recentemente. João anuiu com um tímido abanar de cabeça e o homem seguiu caminho começando a atravessar a estrada. Nem reparou num carro que circulava na estrada e que, não fosse a pronta actuação de João, o ia atropelar na certa.
Após praguejar mais uns minutos com o condutor do carro, que prosseguiu o seu caminho sem sequer dar importância ao caso, virou-se para João e agradecendo esticou-lhe uma folha de papel em branco e disse:
- Obrigado. A única coisa que lhe posso dar em sinal de agradecimento é esta folha de papel.
Perante a recusa de João em segurar a folha de papel, o homem disse:
- Não. Não me faça isso. É mágica… Aproveite-a bem… A solução está aí.
Quando João finalmente a aceitou, ele seguiu o seu caminho.
João voltou para o seu lugar e enquanto esperava a sua vez, começou a dobrar o papel de forma a fazer um "Quantos queres???" que tantas vezes tinha feito em criança. Cortou o quadrado necessário para o fazer (após ter dobrado e vincado com cuidado o papel e ter guardado o pequeno rectângulo que sobrara na capa que levava) e acabando a sua obra, decidiu escrever várias frases e símbolos de modo a recordar aquela brincadeira de criança.
Desenhou na parte de cima uma cruz, uma bola, um triângulo, uma estrela, um quadrado, uma nota musical, um cilindro e uma mão. Como não se lembrava do que havia de escrever no outro lado começou a pensar nalgumas palavras que o homem lhe tinha dito e foi escrevendo à medida que se lembrava.
“É sempre a mesma treta”
“É o Sócrates claro”
“Sim”
“Obrigado”
“Não”
“É mágica”
“Aproveite-a bem”
“A solução está aí”
Achando tudo aquilo extremamente divertido, mas ao mesmo tempo infantil, ali ficou a fazer o joguinho como uma criança.
- Quantos queres? – Perguntava ele a si mesmo
- Cinco – respondia de seguida.
– Um, dois, três, quatro e cinco – contava ele baixinho e depois perguntava de novo
- E agora? Queres mão, triângulo, estrela ou cilindro? – depois de ter escolhido, ria-se com o resultado e só para aí à décima vez é que reparou que algo errado ali se passava, uma vez que já tinha fixado que à nota musical correspondia o “sim” e agora tinha acabado de tirar uma nota musical que tinha como texto “Não me faça isso”
Muito espantado, abriu o pequeno contador para verificar o que se passava, mas entretanto tinha chegado a sua vez de ser atendido.
Enquanto a Srª do centro de emprego lhe ia fazendo perguntas, ele sem ligar, ia contando números e dizendo as frases que estavam associadas a cada uma das escolhas do símbolo, que ia fazendo para tentar perceber o que se passava.
Só quando ouviu a Srª dizer – Ok, o emprego é seu- é que se apercebeu que tinha estado a responder a todas as questões da dita mulher utilizando as frases do contador.
Sem saber muito bem como e começando a acreditar na magia do papel com que tinha feito o "Quantos Queres???", agradeceu e foi para casa preparar-se para se apresentar no local de trabalho.
Desde esse dia, para todas as decisões que tomava, João consultava o seu artefacto de papel “mágico”.
Profissionalmente o sucesso era enorme, já era agora assistente de realizador numa cadeia de televisão. Pessoalmente, também a sua vida tinha mudado muito casara com uma “pseudo-intelectual” de seu nome Maria, que o adorava e de quem tinha já 2 filhos… Alberto e Bernardo.
No dia em que ia finalmente apresentar o seu 1º documentário (completamente filmado e realizado por ele) tentou consultar mais uma vez o seu precioso "Quantos Queres???", para saber se deveria usar um fato e gravata azul e aparecer na estreia de um modo mais formal, ou se por contrário se deveria apresentar informalmente. No instante em que verificou que o seu velhíssimo e gasto "Quantos Queres???" se tinha desfeito na sua mão ao fazer a contagem… entrou em pânico.
- E agora? Pensou ele – O que fazer?
Acalmou-se um pouco bebendo um copo de água bem fria e decidiu vestir informalmente.
Ao chegar à festa de estreia começou logo a ouvir as críticas à sua escolha de roupa tão desadequada para uma ocasião tão importante. Tudo corria mal. A estreia foi um fracasso. Ele, talvez por causa do copo de água gelada, ou talvez mesmo por ter entrado em pânico com o rumo que as coisas estavam a tomar, vomitou todo o jantar para cima do anfitrião da festa.
Desde esse dia, tudo mas mesmo tudo piorou.
Profissionalmente começou uma fase descendente, que apenas terminou quando ficou novamente desempregado. No campo afectivo, Maria a sua dedicada companheira acabou por arranjar um amante, que sendo um homem muito mais velho lhe dava toda uma vivência que João não podia dar, muito menos agora nesta fase descendente da sua vida.
Finalmente, quando já tudo tinha chegado a um estado lastimável, João viu-se novamente na fila do centro de emprego com a velha pastinha na mão, lamentando-se por ter perdido o seu "Quantos Queres???" mágico.
Tendo-lhe sido recusado o subsídio de desemprego por terem sido detectadas uma série de irregularidades, João saiu do centro de emprego decidido a acabar com a sua própria raça. Procurando um papel, para escrever um bilhete de despedida, descobriu na sua velha capa o pedaço de papel mágico que tinha sobrado quando tinha feito o seu "Quantos Queres???" alguns anos atrás.
Começou então a escrever:
“A quem ler esta mensagem… Queria que tudo fosse diferente, queria ter um bom emprego, uma mulher que me amasse e não me enganasse com um velhadas qualquer, queria que os meus filhos me respeitassem, queria ser rico… enfim queria ser feliz... Agora só quero morrer”.
Ao ler alto o que tinha escrito no pedaço de papel, lágrimas corriam-lhe pela face e absorto na sua leitura, nem sequer reparou, mas… a Srª do centro de emprego estava à porta do edifício a chamá-lo para lhe dizer que afinal se tinha enganado no processo e que afinal existia uma vaga como assistente de realização na nova emissora que estava para abrir. Também não reparou que Maria tinha ido ter com ele naquele preciso momento, levando os seus 2 filhos e um monte de coisas bonitas para lhe dizer, porque afinal de contas o velhote já se tinha reformado e posto a andar e ela descobrira que afinal João era o homem da sua vida.
Também não reparou que o velhote que anos antes lhe tinha dado o papel, o procurava para lhe oferecer sociedade na sua mega-empresa de artigos mágicos.
Reparou apenas, que quando leu o pedaço final do seu bilhete sentiu uma sensação de felicidade e a seguir… Puff…mais nada.
O velhote careca e atarracado que agora não parecia precisar de banho, chegando ao pé do local onde João jazia morto, disse apenas:
- Bastava escreveres o que querias no papel, meu amigo… Foi assim que eu cheguei onde estou agora. Eu disse-te … a solução estava lá.

Tuesday, March 10, 2009

O Porquê das Coisas.




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Era mais ou menos por aquela hora que tudo acontecia… quando acontecia.
Quando o sol já tinha espraiado os seus raios luminosos e quentes por toda aquela quietude e melancolia branca da montanha nevada. Nessa altura, quando alguns dos apoios construídos pelo gelo frio que crescera durante a noite, se tinham já derretido e uma boa parte das árvores tinha já recuperado o porte altivo e orgulhoso perdido em função do peso da neve acumulado sobre os seus ramos, que os habitantes da pequena aldeia situada no sopé da montanha se recolhiam e rezavam para que não houvesse mais uma catástrofe.
Era também nessa altura que no cume da montanha o conde Von Broglio chamava as suas filhas. A mais velha Ava de seu nome, era mais obediente enquanto a mais nova Graça era uma verdadeira terrorista. Nesse dia como em todos os outros Von Broglio veio à janela da cozinha do castelo (que era a 2ª do lado este) e gritou bem alto.
- Ava… lanche!!!
Esperou um pouco e depois de Ava chegar à cozinha perguntou-lhe onde estava a sua irmã. Ava respondeu com um sorriso que significava que não fazia a mínima ideia onde estava Graça. Von Broglio começou a contar, ao mesmo tempo que se dirigia de novo para a janela:
- 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,
Entretanto chegado à janela gritou bem alto
- dez… Graça!!!!
A miúda apareceu segundos depois e Von Broglio mais uma vez fez o reparo que ela devia chegar antes de ele chegar ao 10.
Cá em baixo os aldeões, ouviram as mesmas palavras de sempre “avalanche” e de seguida “desgraça” e com estas palavras veio a torrente de neve montanha abaixo soterrando uma parte da aldeia.
Após os trabalhos de remoção de neve que levaram cerca de 12 horas verificaram que mais 2 aldeões tinham morrido soterrados. Fizeram um funeral sumário e rápido e prepararam-se para a tarde a seguir rezando novamente ao seu Deus.
Era um Deus talvez pouco poderoso, uma vez que não conseguia protegê-los contra as quedas de neve, mas pelo menos era muito atencioso porque os alertava.
Desde esses tempos, sempre que algo mau ocorre, grita-se “desgraça” e se por acaso ocorre um deslizamento de neve montanha abaixo, logo se ouve gritar
- Avalanche… avalanche
E é este o porquê das coisas…